Marino Geraldi: Um Pioneiro em Três de Maio
Introdução
Até
o presente momento a história dos primórdios de Três de Maio, não registrava a
presença do imigrante italiano Marino Geraldi (em alguns documentos também
grafado como Marino Girardi e cuja grafia correta do italiano é Ghiraldo) e sua
esposa Joaquina Filipina Wiebbiling. No ano de 2013 completou cem anos que
este pioneiro e sua família fixaram residência próximo onde hoje se localiza a
sede da cidade. Os filhos do casal, todos já falecidos, e que também foram
pioneiros em Três de Maio, sempre comentaram esta lacuna. Existem ainda mais de
duas dezenas de netos do casal Geraldi residindo, a grande maioria em Porto
Alegre. O neto mais velho do pioneiro, falecido com a idade de 93 anos em 2017, Médico e Coronel aposentado
do exército Dr. Severino Fim, que felizmente se manteve com muito boa memória até o final da vida e
ajudou a confirmar muitos fatos e introduzir novos detalhes da presença deste
pioneiro no início da colonização de Três de Maio. Outro neto, falecido com a idade de noventa e quatro anos de idade, foi o coronel PM, Osvaldo Geraldi Vanin - primeiro tresmaiense a chegar ao posto de coronel PM da Brigada Militar - que também residiu em Porto Alegre e que ao longo de sua vida arquivou documentos e fotos da família e de sua trajetória pessoal que estão reunidos em material gráfico por ele intitulado "Alfarrábios da Família Vanin". A neta mais velha, Alzira Vanin Trage,
sempre residiu em Três de Maio e faleceu em 2012 com 89 anos. Era uma grande
contadora de histórias. Alzira descrevia os personagens com precisão. Narrava
ainda com emoção fatos distantes do passado e juntamente com os primos
descentes de Eulália Geraldi Fin, até seus últimos dias, reverenciou as
histórias de cada personagem da família. Esta neta, ao ficar órfã de pai aos
seis anos e meio de idade, e sendo a neta mais velha, durante alguns anos, morou
junto com o avô e naquele tempo não existia rádio, televisão, computador ou outra
forma de distrair-se, como se usa nos dias atuais. O que mais se fazia nas
horas de folga, era conversar e dessas longas conversas com o avô ela se
inteirou de muitos detalhes da vida dele, desde os tempos de menino em Verona, na Itália, e
toda a trajetória no Brasil. Alzira contou e recontou estas histórias para os
filhos. Outro neto do pioneiro, Orlando Giraldi Vanin, ex-procurador Geral do Estado do Rio Grande do Sul e juiz, ex-presidente do Tribunal da Justiça Militar do RS, em vários de seus discursos, publicados ou que constam nos arquivos pessoais do autor, faz referência a família em Três de Maio. Todos são unânimes em afirmar a data de chegada do avô Marino a Três de Maio: Ano de 1913.
O
bisneto de Marino, Orlando Vanin Trage, cirurgião-dentista em Alegria, filho de
Alzira, coletou informações ao longo de vários anos para escrever a
história da família, até então só contada de boca a ouvido de geração em geração.
Para isto passou a entrevistar os parentes e pessoas idosas que pudessem
reforçar os detalhes já conhecidos ou até mesmo trazer fatos novos.
Foi
vista com muita simpatia pela família Trage, através do Cooperjornal de Três de Maio, a manifestação da vontade do Dr.
João Sabino Bonfada de escrever um livro sobre a história de Três de Maio. Para
grata surpresa a família Trage recebeu a visita do autor do projeto da obra que
relatou a intensão de fazer uma pesquisa criteriosa e trazer a luz da forma
mais correta possível, os detalhes da história deste município gaúcho da região
do Grande Santa Rosa. O Dr. Sabino já havia levantado a informação sobre o pioneirismo de Marino Geraldi em Três de Maio e veio em busca de mais informações e de documentos que pudessem
comprovar de forma segura os fatos que pretendia narrar. Alguns documentos já
estavam em mãos, mas então a procura por novos documentos foi retomada com mais
entusiasmo. Através da prima, também bisneta de Marino, Cláudia Fim,
descobriu-se um achado muito importante: Um tubo metálico, provavelmente com
mais de 90 anos e que continha em seu interior, dois títulos de aquisição das duas
colônias de terras da colonização adquiridas por Marino Geraldi. O primeiro
deles é do lote nº 02, de 1918, assinado pelo então presidente do Estado do Rio
Grande do Sul, Dr. Borges de Medeiros (Anexos 01 e 02). O segundo título é de
1924 do lote nº 04 (Anexos 03 e 04). Os dois documentos estavam muito
deteriorados pela má conservação e pelo tempo, mas puderam ser parcialmente
reconstituídos e o conteúdo conhecido. Junto a eles também se encontravam as respectivas
certidões de registro das áreas feitas no registro de imóveis de Santa Rosa e
Santo Ângelo. Marino também, adquiriu mais duas colônias de terra em nome dos
filhos maiores de idade na época: Eulália e Luís. Do título da colônia de
Eulália, também de 1918, o lote nº 06 foi obtida uma cópia, juntamente com a
cópia do registro de imóveis de Santa Rosa (Anexos 06 e 07). Os documentos antigos
foram localizados em busca feita no porão da casa onde residiu a filha mais
velha de Marino, Eulália Geraldi Fin, nascida em 1900 e falecida em 1979. A
partir destes documentos, das entrevistas e da história oral da família contada
pelos descendentes mais antigos que ainda conheceram o casal de pioneiros, foi
possível, portanto, realizar uma reconstrução fragmentada dos fatos marcantes da vida e do
cotidiano deste casal, com seus nove filhos, em relação a acontecimentos, locais
e épocas de forma bastante precisas, registrando agora tudo escrito. Através da
leitura também se pode tomar conhecimento de muitos detalhes do cotidiano da
população daquela época, seus hábitos, seus costumes. Lamentavelmente o Dr. João Sabino Bonfada, veio a falecer durante a realização deste projeto de escrever o livro com a história de Três de Maio. Ele estava na fase de análise e organização das informações que havia coletado. O autor deste blog esteve algumas vezes com ele, e seria interessante que alguém da família tornasse acessível ao público as informações que ele já coletara.
A Chegada em Três de Maio
O imigrante italiano, Marino Geraldi,
como se auto nominava, casado com Joaquina Filipina Wiebbiling chegou ao hoje
conhecido município de Três de Maio, no longínquo ano de 1913, vindo de Ijuí,
utilizando como meio de transporte uma carroça, onde eram transportadas as
ferramentas como machados, foices, facões, enxadas, serrotes, as vestimentas, roupas
de cama e alguns utensílios domésticos. Na carroça conduzida por Joaquina, viajaram
também os filhos pequenos (Safério, Júlia e Bernardo). Os filhos um pouco mais
crescidos: Luiz, Eulália, e Ancelmo vieram a pé acompanhando a carroça. A filha
mais velha Eulália, então com 13 anos, além de caminhar, a maior parte do tempo
carregava no colo o irmãozinho menor, Xavier. Foi possível vir com a carroça somente
até local hoje denominado Esquina Schultz que se localiza um pouco adiante da
cidade de Independência em direção a São Miguel. A partir dali tiveram que utilizar-se de “cargueiros”
(cavalos equipados para levar cargas que eram, geralmente, colocadas dentro de
vários sacos ou cestos). A carga era distribuída sobre os dois flancos do lombo
do animal, tentando-se com isso equilibrar o peso da carga. A carroça foi
deixada ali. Assim, Marino foi montado, cortando com o facão alguns galhos que
aqui e ali já atrapalhavam a passagem e puxando mais três cavalos carregados
com vários sacos e alguns cestos, fazendo a frente na picada estreita, sendo
seguido por Joaquina e as crianças que vinham caminhando e carregando também
algumas coisas menores, cujos pesos a idade permitia suportar. Em Três de Maio
nasceram mais duas filhas: Glória e Carlota, e o filho Bernardo.
O destino planejado pelo casal ao
sair de Tubarão em Santa Catarina, onde vendera a propriedade, não era vir para
esta região. Ocorreu, porém, que da venda da propriedade que tinham no local, eles receberam apenas
uma parte do valor, ficando o comprador no compromisso de logo lhes enviar o
dinheiro para Cruz Alta, através do Banco existente na época. Segundo o
combinado, o dinheiro já deveria estar no banco quando eles chegassem a Cruz
Alta, uma vez que passariam algum tempo em Não Me Toque na casa de conhecidos,
demorando tempo suficiente para o envio do dinheiro, mas isto não aconteceu e o
tempo foi passando... Marino então escreveu uma carta para os parentes em
Tubarão para que fizessem contato com a pessoa que lhe devia, porém, naquela
época, tudo demorava semanas e meses. Marino já havia acertado a compra de terras em Catuípe, próximo a Ijuí com a família Foletto - alguns descentes dessa família, depois também vieram residir em Três de Maio. A família Foletto esperou meses para concretizar o negócio com Marino, que então sem recursos financeiros para
comprar imediatamente as terras planejadas e com a informação
de que se planejava abrir uma nova área de colonização, decidiu conhecer outras
paragens e acompanhou um morador de Catuípe que já conhecia o lugar - na época
Santa Rosa Buricá - e estava com viagem marcada para a região. Marino comprou um cavalo e então os dois pegaram a estrada,
sendo que andaram durante alguns dias. Tendo chegado onde hoje se situa a
cidade de Três de Maio, o imigrante italiano gostou do lugar. Escolheu uma
grande baixada, pois acreditou que ali teria boas terras de várzea para cultivar. Pela
experiência que teve em Tubarão, onde as pessoas contavam que já plantavam
terras assim, há mais de cem anos e que este tipo de solo nunca se esgotava. Concluiu
que ali estava um bom lugar para se estabelecer. Exigiria mais trabalho e
sacrifício, mas quase sem custo em dinheiro com as terras, uma vez que tendo
encontrado uma área já parcialmente roçada e sendo cultivada, e uma choupana ocupada por José
Bernando - um índio aculturado -, acertou com este que voltaria com os demais
familiares. O índio então lhe transferiria a posse das pequenas roças,
alguns animais e a choupana mediante o pagamento de uma modestíssima quantia em
dinheiro. Voltou a Cruz Alta, pegou a família e então vieram todos de trem até
Ijuí por um trecho da estrada de ferro que havia sido a poucos anos construído
desde Cruz Alta. Ali comprou a carroça, os animais e os utensílios mais
necessários para a viagem e para se estabelecer na nova morada. Os caminhos que
levavam a lugares pequenos e mais distantes, eram picadas abertas na mata
fechada e cuja largura não permitia passar duas carroças ao mesmo tempo, por isto quando
havia o encontro de alguém em sentido contrário, um dos dois veículos tinha que
conseguir sair do caminho e abrir passagem. A maioria dos rios era atravessada em “passos” localizados
em locais em que o nível das águas era mais raso, com o leito do rio, razoavelmente, plano e as barrancas da margem baixas por natureza ou rebaixadas a custa de muito trabalho. Se chovesse muito, às
vezes, o rio não dava passagem. Nesses locais dos “passos” se aproveitava para
matar a sede dos animais e das pessoas e pegar uma reserva de água para a
jornada do dia. O pouso era feito sempre numa parada ao fim da tarde, junto a
locais as margens da estrada que ofereciam alguma estrutura de apoio logístico
como um teto, água para beber, comida para as pessoas e trato para os animais, ou
alguma moradia cujos proprietários eram pessoas hospitaleiras que davam de bom
grado apoio aos viajantes, geralmente sem cobrar quase nada. Nestes casos, era
muito raro que os viajantes dormissem um pouco confortáveis em uma cama. Geralmente
dormiam no chão mesmo, sobre alguma coisa que amaciasse um pouco a superfície
dura do solo, como um monte de capim. Os transeuntes surpreendidos pela noite e que não sabiam o que
iriam encontrar no caminho a frente, improvisavam um pouso ali mesmo no local em que se encontravam. Em
lugares mais retirados, na época, as pessoas ficavam felizes de ver outras
pessoas chegando. Todos desejavam que a população dos lugares interioranos
crescesse, pois o crescimento em geral traria o progresso.
A viagem continuava assim que a claridade do
nascer do dia permitisse enxergar o caminho. Quanto mais se afastavam de Ijuí,
menos moradias e pessoas iam encontrando. No trecho final da viagem - Esquina
Schultz em Idependência - não havia quase nada pelo caminho em 1913, (até mesmo
Santa Rosa recém se iniciava) e nem a carroça passava. Marino e a família deixaram a carroça na esquina Schultz e então passaram a maioria dos pertences para o lombo dos cavalos cargueiros.
Não surpreende o fato de Marino e
Joaquina, embora já sendo na época pessoas entrando na meia idade, frente a
dificuldade da falta do dinheiro restante da venda das terras, terem optado por
uma região quase inexplorada ainda, e remota como era a região de Três de Maio
na época, onde o dinheiro que já tinham em mão seria suficiente. Marino era
imigrante e Joaquina descente de imigrantes, portanto, pessoas com espírito
destemido, ousadas, desprendidas, a quem o desconhecido, a dificuldade, o
trabalho e dá para dizer mesmo, o sacrifício já não assustavam. Quer decisão
mais ousada e corajosa do que deixar parentes, amigos, abandonar tudo no velho
mundo e vir para uma terra desconhecida?
Segundo Marino, sua família veio para
o Brasil, pois passavam inúmeras dificuldades na Itália. Eram muito pobres. Segundo
contava, existia muita miséria e “banditismo” na província de Verona, onde
moravam. Lutavam até mesmo contra a escassez de alimentos. O pai de Marino, Santo Geraldi, ficara órfão e fora criado por um tio,
cuja esposa frequentemente recomendava ao marido que o fizesse trabalhar bastante,
pois havia comido um ovo e três pedaços de polenta naquele dia, quando na
verdade, havia passado até mesmo fome, só comendo alguma fruta que encontrava. Isto
dá uma ideia da vida difícil no velho continente, naquela época. Isto sem contar
que passavam frio no inverno e muitas vezes dormiam junto com os animais, na parte de baixo da casa para
se aquecerem com a respiração e a proximidade com os bois, vacas e ovelhas.
Ao chegar ao Brasil, vindos da Itália, Marino, juntamente com o pai, e os irmãos estabelecerem-se em Santa Catarina, tendo na ocasião, adentrados na mata virgem. A esposa Joaquina, também já vivera algo semelhante quando criança, junto com a família paterna e a situação não lhe era estranha. Era uma mulher de muita coragem, cujo pai e irmãos realizavam caçadas de animais ferozes, coisa comum naquele tempo. E se a mulher não tinha medo, do homem não se esperava outra coisa a não ser uma atitude corajosa. Os filhos eram animados a todo o momento a seguir adiante em busca de boas terras e esperança de dias melhores.
Ao chegar ao Brasil, vindos da Itália, Marino, juntamente com o pai, e os irmãos estabelecerem-se em Santa Catarina, tendo na ocasião, adentrados na mata virgem. A esposa Joaquina, também já vivera algo semelhante quando criança, junto com a família paterna e a situação não lhe era estranha. Era uma mulher de muita coragem, cujo pai e irmãos realizavam caçadas de animais ferozes, coisa comum naquele tempo. E se a mulher não tinha medo, do homem não se esperava outra coisa a não ser uma atitude corajosa. Os filhos eram animados a todo o momento a seguir adiante em busca de boas terras e esperança de dias melhores.
Segundo relato dos familiares,
Marino, esposa e filhos, foram os primeiros imigrantes e descentes de
imigrantes a morar próximo ao local onde hoje se situa a cidade de Três de
Maio. Naquela época o lugar era habitado apenas por índios como José Bernardo e
raríssimas pessoas nativas do Rio Grande do Sul, de origem portuguesa ou afro
descentes, miscigenados com índios, os assim chamados caboclos. Foram muito bem
recebidos pelo índio que os aguardava e vendeu a Marino e sua família a posse
da terra, a choupana e uns poucos animais. O índio pensava que já estava muito
próximo da civilização para o seu gosto e decidiu abrir nova área em local da mata mais
distante, aonde a civilização branca não chegasse tão rápido. Segundo dizem
teria ido para o local de Horizontina, hoje chamado de Caneleira. Ele sabia que
com a colonização e demarcação das áreas, os posseiros se viam obrigados a
afastar-se com a chegada dos donos dos lotes. Marino o teria convidado a
permanecer por perto e trabalhar com ele dizendo que um dia ali seria uma
cidade.
---- Não seu Marino, agradeço seu
convite! --- Teria dito José Bernardo. ---- Não gosto da cidade, pois a "cidade
mata e o mato cria".
Foi uma aquisição barata e do pouco dinheiro que tinha ainda sobrou para comprar dos raríssimos vizinhos das redondezas, alguns alimentos, sementes e mais alguns animais (vacas, porcos e o meio de transporte mais útil: cavalos) e alguns utensílios domésticos adquiridos na viagem seguinte a Ijuí.
Ali foi estabelecida a primeira morada. O mato ao redor ia sendo vencido a custa de muito suor, machado, foice, serrote e fogo. Dona Joaquina profunda conhecedora da vida em locais ermos do interior era uma especialista em fazer arapucas para aprisionar pássaros e alguns animais pequenos, caçar animais silvestres e encontrar no mato tudo o que pudesse ser comestível, como frutas e algumas outras plantas e ervas medicinais. Inicialmente estes conhecimentos foram muito úteis em um lugar em que existiam muito poucos recursos. O fato de o índio, já ter aberto umas pequenas roças e ter deixado um excelente “pilão”, onde já foi possível, descascar um pouco do arroz trazido e preparar canjica de milho, foi uma grande bênção. Já tinham uma vaca com leite. Muito útil também foi o pequeno mandiocal de José Bernardo. Uma alimentação bastante razoável já estava garantida. A mandioca era consumida cozida, acompanhando outros alimentos como carne de porco, frango, ou linguiça cozida. A farinha de mandioca era muito fácil de fazer e também comprada baratíssima. Podia ser utilizada misturada ao feijão (revirado), consumida junto com carne, ou usada para preparar pirão, misturada ao leite fervente.
Foi uma aquisição barata e do pouco dinheiro que tinha ainda sobrou para comprar dos raríssimos vizinhos das redondezas, alguns alimentos, sementes e mais alguns animais (vacas, porcos e o meio de transporte mais útil: cavalos) e alguns utensílios domésticos adquiridos na viagem seguinte a Ijuí.
Ali foi estabelecida a primeira morada. O mato ao redor ia sendo vencido a custa de muito suor, machado, foice, serrote e fogo. Dona Joaquina profunda conhecedora da vida em locais ermos do interior era uma especialista em fazer arapucas para aprisionar pássaros e alguns animais pequenos, caçar animais silvestres e encontrar no mato tudo o que pudesse ser comestível, como frutas e algumas outras plantas e ervas medicinais. Inicialmente estes conhecimentos foram muito úteis em um lugar em que existiam muito poucos recursos. O fato de o índio, já ter aberto umas pequenas roças e ter deixado um excelente “pilão”, onde já foi possível, descascar um pouco do arroz trazido e preparar canjica de milho, foi uma grande bênção. Já tinham uma vaca com leite. Muito útil também foi o pequeno mandiocal de José Bernardo. Uma alimentação bastante razoável já estava garantida. A mandioca era consumida cozida, acompanhando outros alimentos como carne de porco, frango, ou linguiça cozida. A farinha de mandioca era muito fácil de fazer e também comprada baratíssima. Podia ser utilizada misturada ao feijão (revirado), consumida junto com carne, ou usada para preparar pirão, misturada ao leite fervente.
Marino preocupou-se em descobrir o
moinho mais perto para moer o milho e assim fazer a gostosa e tão útil polenta.
Pelo que os descendentes contavam, as primeiras moagens ainda foram feitas em
um moinho próximo a Ijuí, onde o milho debulhado a mão tornava-se farinha.
Aproveitando a viagem levava-se junto para vender algum produto que tinha
comercialização na época, como por
exemplo o feijão, ovos, banha, manteiga. Nota-se que os imigrantes que vieram depois, muitos vieram já por Santa Rosa que crescia muito. Marino veio por Ijuí e sua primeira referência com a civilização era por esta cidade por onde durante muito tempo recebia o correio. Era necessário ir até Ijuí postar as cartas, receber as correspondências, fazer
compras e vender os produtos levados em carroças.
As viagens a Ijuí duravam dias. Em uma destas ocasiões, Marino
recebeu uma carta dizendo que o dinheiro que o comprador de Santa Catarina
ficara de mandar, na verdade havia se “extraviado” e que deveria ir à agencia
do Banco Nacional do Comércio em Santa Maria,
onde poderia receber o recurso restante da venda de suas terras. Na
época, para poder receber o dinheiro, uma vez que o mesmo não possuía documentos com foto e a própria grafia dos nomes às vezes divergia em uma ou mais letras, dependendo
do documento, veio junto com o repasse para a agência, uma descrição detalhada
do destinatário da importância, como altura, peso aproximado, cor dos cabelos,
cor dos olhos, uso e corte do bigode e das costeletas, além de algumas
perguntas a serem respondidas. Em Santa Maria, Marino conseguiu receber o
dinheiro e agora poderia comprar as terras que havia planejado. Porém, Santa
Rosa crescia e Três de Maio também. A partir de 1915 e 1916, começou o fluxo de
outros imigrantes para a região que se intensificou mais a partir de 1917 com a
venda pelo governo do estado das colônias demarcadas.
Um pequeno comércio local
já começava a surgir e começaram a aparecer pessoas que realizavam a prestação
de serviços especializados, como ferreiro, oleiro, alfaiates, costureiras. Aos
poucos muita coisa se podia fazer em Santa Rosa, não necessitando mais ir a
Ijuí. O agrimensor Frederico Jorge Logemann, havia chegado a região medindo as
terras e demarcando os lotes da colonização. Marino Geraldi comprou o lote
número 02 da segunda seção de Santa Rosa com 21800 m², conforme título expedido
em 09 de julho de 1918 pelo então presidente do estado Dr. Antônio Augusto
Borges de Medeiros e registrado no registro de Imóveis de Santa Rosa sob número
6888, e o lote rural nº 04 que confrontava ao norte com o lote rural nº 02,
portanto lotes vizinhos. Esse lote confrontava também com o “Estradão Três de Maio
– Campo”, como chamavam na época a estrada da saída de Três de Maio em direção
a atual Independência. Este lote também foi adquirido do governo do estado,
cujo título foi expedido em 07 de Novembro de 1924 e registrado no registro de
imóveis de Santo Ângelo no livro 3-B fls 225, sob número 3.183. Segundo
depoimento dos familiares Marino comprou as duas colônias acima descritas em
seu próprio nome e mais duas colônias vizinhas, tendo colocado no nome dos
filhos que eram maiores de idade a época: Eulália e Luís. Em 12 de junho de
1918, o então Presidente do Estado Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros,
assinou o Título de Propriedade do Lote Rural nº 06, com área de 25.000 m², em
nome da Filha mais velha Eulália. A área descrita acima pertencente a Eulália
que foi registrada no registro de imóveis de Santa Rosa somente em 5 de
setembro de 1940, sob número 11465, folhas número 15 do livro nº 3-i, apontado
sob número 11403, fls. 101 do livro nº 1-A. A colônia de Luís Geraldi, o outro
filho, era vizinha a área de Eulália e teria sido posteriormente vendida ao Sr.
Leopoldo Wolfenbit e da qual não se conseguiu documentos comprobatórios. Há
essas alturas os imigrantes já chegavam em grandes levas. Eram imigrantes
alemães e italianos, principalmente.
A filha Eulália casou-se na data de 15
de janeiro de 1921 com Patrício Fin. Atualmente esta área de terra que
pertenceu ao pioneiro Marino Geraldi, pertence aos netos, herdeiros de Patrício
Fin, - encontrado morto na estrada em Tucunduva, sob a nevasca que atingiu o
estado em 21 de agosto de 1965 - e Eulália Geraldi Fin, falecida em 1979. Chama
a atenção o fato de que este imóvel nunca ter sido vendido, tendo mantido o
Título original de 1918. Anos mais tarde, Patrício fim acabou comprando toda a
área que pertenceu a Marino Geraldi. Essas terras, atualmente, localizam-se em frente
a atual agência do INSS, a área da COAB e área próxima ao Parque de exposições
Germano Dockorn, CTG Tropeiros do Buricá e próxima ao asfalto que liga
Independência a Três de Maio, após o primeiro trevo de acesso a Três de Maio e
o acesso a Vila São Pedro para quem vai no sentido de Independência à Três de Maio. Nesta área localizou-se
o primeiro cemitério de Três de Maio - dois ou três túmulos de adultos e algumas
crianças-, próximo ao lugar onde hoje se situa o trevo do Parque de Exposições
Germano Dockhorn, e também localizou-se a Hípica Tresmaiense, cuja pista foi
cortada pela abertura da antiga “Faixa da Produção”, hoje rodovia asfaltada.
Ao adquirir as colônias do governo Marino que
sempre preferiu o diálogo e nunca teria brigado com ninguém, fez um
entendimento com mais três “posseiros” que moravam nos fundos das áreas adquiridas.
--- Italiano tu vais perder teu
dinheiro! --- Teria lhe dito alguém. --- Estas terras já tem morador. Veja lá nos fundos tem três
ranchinhos de caboclos!
Marino foi conversar com eles que
teriam aceitado de bom grado uma pequena oferta em dinheiro e
também se transferido, como o índio José Bernardo para Caneleira, hoje em
Horizontina.
Na mesma data do casamento da filha
Eulália com Patrício, 15 de janeiro de 1921, o casal de Pioneiros Marino
Geraldi e Joaquina Viebbilin, também legalizaram a situação casando-se no
Civil, já no cartório do hoje município de Três de Maio. Este casamento está
lavrado a folha 97 do livro B-1, sob nº 154. Ele contava com a idade de 47 anos
e ela com 41 anos na data do casamento. O casamento religioso havia sido
realizado em Porto Alegre na Capela São Francisco da Santa Casa de Misericórdia
de Porto Alegre, onde Marino e Joaquina, encontraram-se pela primeira vez. Ela
Joaquina, nascida em 1879 no município de Estrela no Rio Grande do Sul, filha
de imigrantes Alemães, havia ficado órfão na pré-adolescência e fora “criada”
no então orfanato da Santa Casa. Ele Marino, quando veio da Itália, juntamente
com os pais e irmãos fez uma breve estada em Tubarão, Santa Catarina. Marino lá
deixou os familiares e veio trabalhar em Porto Alegre na Santa Casa, onde
conheceu a jovem Joaquina. Após o casamento o casal foi residir em Tubarão onde
estavam ainda residindo os pais e os irmãos de Marino. Passados alguns anos o
casal, quando a filha Julia, nascida em 1905, estava com oito anos de idade e
Eulália com treze, resolveu retornar ao Rio Grande do Sul para comprar as
terras da colonização vendidas pelo governo do estado. Enfrentaram durante a
viagem, na época feita de navio, uma forte tempestade no mar e o navio sofreu
risco de naufragar, tendo ficado a deriva, com a sirene de alarme acionada várias
horas, pedindo socorro as outras embarcações. Durante a viagem um dos filhos adoeceu
e Joaquina escondeu a doença da tripulação com medo de que o bebê (Xavier) viesse
a falecer e pudesse ter o cadáver jogado no mar.
Após a chegada em Três de Maio, Santa
Rosa crescia muito e Três de Maio também avançava. Marino havia ampliado o
desmatamento das terras iniciado pelo índio e os imigrantes que iam chegando
procuravam localizar-se por perto de áreas já abertas com alguma vizinhança por
perto, próximas de acesso fácil a água. Marino acabou convencendo o cunhado
José Benati, casado com Angela Geraldi, a vir também para a região. José Benatti
estabeleceu-se no local hoje conhecido como KM 13. O trabalho de derrubada de
árvores foi feito a machado e serrote e custou muito esforço e suor. A cada ano a área
conquistada a mata e tornada agricultável era pequena. A queimada era uma das
ferramentas mais práticas, para não dizer necessária mesmo, para limpar uma área
de mata.
Os colonos já naquela época eram submetidos a uma lei ambiental severa e em áreas que ainda não haviam sofrido exploração industrial da madeira, só podiam desmatar metade da área e nas demais áreas já exploradas industrialmente, deviam manter 1/3 da propriedade com mata e para novas derrubadas deveriam replantar com árvores de valor industrial na mesma proporção. As matas só poderiam ser derrubadas quando o correspondente reflorestamento já estivesse com dois anos no mínimo. Não poderiam ser derrubadas as matas localizadas a cem metros de rios ou nascentes. Dá para se perceber que a preocupação das autoridades com a preservação ambiental não é de hoje. Os proprietários eram obrigados a conservar a marcação dos marcos divisórios e manter a roçada da estrada ou caminho a frente do lote que ocupasse, bem como a prestação de seis dias de serviço por ano, por lote rural, para a conservação e melhoramento das estradas de rodagem a frente ou nas circunvizinhanças do lote. Também era obrigatório manter os animais domésticos dentro dos limites da propriedade, sob pena do estado fazer o cercado e cobrar a obra do proprietário - não se tem informações de que isto tenha ocorrido alguma vez na região.
Os colonos já naquela época eram submetidos a uma lei ambiental severa e em áreas que ainda não haviam sofrido exploração industrial da madeira, só podiam desmatar metade da área e nas demais áreas já exploradas industrialmente, deviam manter 1/3 da propriedade com mata e para novas derrubadas deveriam replantar com árvores de valor industrial na mesma proporção. As matas só poderiam ser derrubadas quando o correspondente reflorestamento já estivesse com dois anos no mínimo. Não poderiam ser derrubadas as matas localizadas a cem metros de rios ou nascentes. Dá para se perceber que a preocupação das autoridades com a preservação ambiental não é de hoje. Os proprietários eram obrigados a conservar a marcação dos marcos divisórios e manter a roçada da estrada ou caminho a frente do lote que ocupasse, bem como a prestação de seis dias de serviço por ano, por lote rural, para a conservação e melhoramento das estradas de rodagem a frente ou nas circunvizinhanças do lote. Também era obrigatório manter os animais domésticos dentro dos limites da propriedade, sob pena do estado fazer o cercado e cobrar a obra do proprietário - não se tem informações de que isto tenha ocorrido alguma vez na região.
Para quem chegava era mais prático fixar-se em
uma área com alguma parte já aberta, pois do contrário não havia nem como
plantar umas verduras ou legumes e a primeira colheita de alguma pequena
quantidade de produto demoraria meses. O lugar onde marino construiu a sua
morada permanente, dentro das duas colônias que comprara, localizava-se próximo
a um butiazal, um pouco abaixo da encosta onde mais tarde localizava-se o
alambique da família Fin, e era vizinha a área comprada em nome da Filha Eulália.
Esta área começava após a área do Sr. Emílio Teche, que posteriormente doou uma
pequena área para o cemitério e cuja área estendia-se até o local onde hoje é a
vila São Pedro. A divisa era a antiga estrada, hoje rua que sai na avenida em
frente a Agência do INSS. Durante muitos anos existiu ali na baixada - onde hoje
é a Afucomaio - um Pinheiro de grande dimensão, plantado pela esposa dona
Joaquina. Esta árvore tornou-se muito grande e as pessoas com mais de 50 anos
hoje ainda podem lembra-se dela. A neta Alzira Geraldi Vanin, quando olhava para
o Pinheiro a uns trinta anos atrás dizia que ele já tinha sessenta anos, isto é
a idade dela mesmo, pois segundo dizia, sua avó o plantara na mesma época em
que ela, Alzira, nascera.
O Tigre Passava Por Três de Maio
Logo nos primeiros meses residindo no
hoje Três de Maio, uma madrugada começou agitada. Os cães latiam e queriam
abrigar-se dentro de casa, o touro bufava e cavava terra. O pouco gado que a
família de Marino e Joaquina possuía havia se reunido e o touro circulava em
volta. Agitação na encerra dos porcos. Dona Joaquina de espingarda em punho
entrincheirada perto da janela, porta fechada, marido e filhos recolhidos
dentro da choupana:
---- É o tigre que está por perto!
--- Sentenciava ela.
Todo o cuidado era pouco! Ninguém
fora de casa a noite! Manter o fogo bem vivo. Bem que o índio havia avisado,
que havia tigres. A história contada por
José Bernardo, quando da chegada, sobre o negro que morava sozinho há alguns
quilômetros dali, no interior da mata e que um dia o índio fora visitar, sendo
que após encontrar o feijão queimado no fogo já apagado, fora em direção a
fonte de água e encontrara o mesmo com o pescoço e parte do corpo devorados.
Bem que poderia ser verdade! Se era, não houve confirmação, mas as crianças não saiam de casa a noite nem
para “mijar” - os guris faziam o pipi pelas frestas da casa mesmo, já que existiam em quase todas as paredes. Segundo o relato da filha Júlia, falecida em
1980, a situação repetiu-se mais vezes. Segundo Dona Joaquina, entendida de
animais selvagens, a moradia da família ficava perto da rota de deslocamento de
um felino que costumava passar por ali e então a bicharada doméstica pressentia
e ficava agitada e reunida. Pelo que consta fora um ou outro leitão roubado da
encerra, provavelmente devorado por algum animal selvagem pequeno, nunca houve
outros problemas na casa do Sr. Marino, a não ser, picadas de cobras, aranhas e
as raposas que atacavam as galinhas. Já o cunhado do Sr. Marino Geraldi, o Sr.
José Benati, casado com uma irmã de Marino que fora morar no KM 13, a pouco
residindo no lugar, foi atacado em sua propriedade por um Tigre que lhe feriu
gravemente um dos braços, tendo o Sr. José Benatti sobrevivido, mas permaneceu com
uma grande sequela em função da mutilação da musculatura no local atingido, durante
o ataque do felino. O Sr. José Benatti morava perto de um lajeado que então
ficou conhecido como: Lageado Tigre.
Marino era
um homem vaidoso e uma vez por ano ia a Porto Alegre comprar roupas, calçados e
chapéus. Tinha mais vocação para o comércio e foi proprietário de um hotel que
existiu nas proximidades onde hoje, é o posto Latina de propriedade de Vitor
Schons. Também foi proprietário da casa antiga ainda existente na esquina oposta
ao colégio Dom Hermeto, hoje pertencente a família Fasolo.
Alguns anos
mais tarde, Marino resolveu ir sozinho cuidar de um “bolicho” no Km 13, próximo
da casa do cunhado José Benatti. Na época a segurança das localidades ficava a
cargo de uma autoridade eleita pelo povo, o Inspetor de Quarteirão que mantinha
a ordem no lugar e prendia os “criminosos”. Uma noite, a loja foi invadida e assaltada por dois homens que arrobaram a porta. Tratava-se de dois “maus
elementos” que vieram para a região. Um deles tinha o apelido de “Troncho”. Na
verdade, pareceu ao Sr. Marino que a intenção dos meliantes era assassiná-lo,
mas com a ajuda de Nossa Senhora, de quem era muito devoto, num momento de
distração, ele conseguiu escapar pelo meio do milharal que ficava nos fundos da
loja e foi socorrer-se na casa do cunhado Benatti. Com medo de que o fato se
repetisse, vendeu a loja e voltou a morar na então vila de Três de Maio. Alguns
meses depois “Troncho” e seu companheiro, que haviam voltado aterrorizando a
região, foram mortos a bala numa espera que alguns moradores haviam organizado.
Era uma terra sem lei e as pessoas se protegiam como podiam. Os dois foram
enterrados logo depois de mortos, sem velório e sem reza, em covas rasas, fora do
cemitério e sem ataúde. Segundo relatos da época, na manhã seguinte o “Troncho”
estava com os pés fora da cova e as botas haviam sido tiradas, estando jogadas
ao lado. Depois se ficou sabendo que o mesmo costumava guardar o dinheiro no
cano das botas. Alguém que sabia foi à noite e desenterrou apenas os pés e
tirou às botas a procura do dinheiro.
Marino tinha o costume de dormir no
forro da casa e puxar a escada para cima. Este costume ele teria trazido já da
Itália. Algum tempo depois Marino foi colocar “bolicho” no ainda hoje conhecido
“Pinga Fogo”, onde foi vizinhar com o compadre Lucídio Camargo, casado com a
dona Rosinha, mãe do conhecido comerciante de Três de Maio, nas décadas de 60 e
70, Santo Calistro Camargo. Foi ali que um dia não se sentiu muito bem e foi ao
hospital São Vicente, onde ficou sob os cuidados do Dr. Brutus Portinho Nessi.
Na tarde seguinte, dia 19 de novembro de 1938, às 15 horas, teve provavelmente
um enfarto do miocárdio e faleceu.
Velório grande, com foto do falecido dentro do ataúde. Contava com a
idade de 65 anos.
Os filhos Luís e Zafério foram morar
em Passo Fundo, Bernardo em Porto Alegre, Glória em Caxias do Sul e Carlota em
Tenente Portela. Apenas duas filhas
permaneceram residindo em Três de Maio. A filha mais velha, Eulália, casada,
com Patrício Fin teve 14 filhos, sendo que quatro permaneceram em Três de Maio
e os demais, em sua maioria, foram estudar em Porto Alegre, onde ainda residem.
Já a outra filha que permaneceu em Três de Maio, Júlia, casou-se com Adão Vanin aos dezessete anos de idade, tendo ficado viúva já aos 24 anos. Teve durante o
curto casamento quatro filhos. O três filhos homens de Júlia, foram residir em
porto Alegre e a única que permaneceu em Três de Maio, foi a filha mais velha, Alzira,
casada com Edvaldo Germano Fernando Trage. Esta descendente falecida aos 89
anos em 01 de maio de 2012, foi uma das principais informantes dos fatos aqui
relatados, juntamente com a sua mãe Julia Vanin, falecida em 1980. Foram fatos
contados e repetidos ao longo da vida. Também muitos dos relatos aqui
destacados foram feitos ao longo da vida por Eulália Fin, viúva de Patrício
Fin, a filha mais velha de Marino e Joaquina, falecida em 1979 e seus descendentes, filhos, noras e netos
que ainda aqui residem.
Uma famíla marcada por desgraças
Joaquina, descendente da família de
Carlos Wiebbeling, teve dois irmãos que eram músicos e haviam saído a cavalo
com seus acordeões para animar um baile, assassinados por um vizinho por um
conflito de divisas de terras. Avisados do ocorrido depois de se passar mais de
um dia das mortes, foram até o local onde jaziam os corpos e os dois rapazes
foram sepultados lá mesmo ao lado da picada, apenas a mãe de Joaquina,
Gertrudes, retirou da cabeça o lenço e da cintura o avental que usava e cobriu
respectivamente o rosto de cada um dos filhos para que não fosse jogada a terra
diretamente sobre eles. Este fato aconteceu no interior de Estrela, quando
Joaquina era ainda criança. As pessoas daquela época conviviam com a morte e a
impunidade de forma muito próxima, apesar disso, Joaquina, mesmo sendo ainda
criança na época, nunca esqueceu este fato, muitas vezes relatado.
A primeira grande tragédia da família
de Marino Geraldi depois que ele veio morar em Três de Maio, aconteceu em 12 de
fevereiro de 1922, quando o filho Xavier, então um menino de 10 anos de idade,
resolveu fritar bolinhos. A irmã Júlia com 17 anos, estava ocupada, cuidando do
sobrinho mais velho e afilhado, Luís Fim, que era um bebê próximo de um ano de
idade, filho de Eulália e Patrício Fin. Os demais familiares não se encontravam
em casa. Xavier disse estar com fome e com vontade de comer bolinhos fritos.
Como a irmã não podia fazer, pois estava cuidando o sobrinho no colo, ele mesmo
pôs mãos a obra. Naquele tempo dona Joaquina guardava no mesmo armário,
fermento e veneno - arcênico segundo os relatos. Xavier teve a infelicidade de
colocar na massa dos bolinhos, o veneno ao invés do fermento. E foi fritando e
comendo, feliz da vida, orgulhoso do que estava fazendo. Ao oferecer os
bolinhos para a irmã, esta primeiro deu um pedacinho para o sobrinho, depois ao
comer o resto do bolo, achou o gosto estranho e ruim. Cuspiu fora o que estava a comer e tirou da
boquinha do sobrinho Luís, parte do bolinho que lhe havia dado.
---- Você colocou vidro moído nestes
bolinhos! --- Teria dito.
Imediatamente Júlia foi até o armário
e constatou o engano de Xavier.
---- Você colocou veneno nos
bolinhos...
Choro desesperado de Xavier e de
Júlia. Júlia jogou os bolinhos fora pela janela. As galinhas comeram e muitas
morreram logo depois. Xavier começou a passar mal em seguida, e morreu se
contorcendo de dor e falta de ar em menos de uma hora. Foram socorridos por um
moço que passava pela estrada a cavalo e percebeu o choro e os gemidos. Era
Adão Vanin, um rapaz nascido em Marcelino Ramos e que viera para a região
efetuar uma cobrança de dinheiro de um tal de Jango. Júlia e o sobrinho
sobreviveram, mas passaram muito mal. Na época não consta que as vítimas do
envenenamento tenham recebido algum atendimento médico. Quatro meses após, a
morte de Xavier, Júlia se casava com Adão Vanin que, após receber a conta, fora
a Marcelino Ramos entregar a importância recebida e voltara a Três de Maio, tendo ido trabalhar com o comerciante João Adão Jost, que recém casado com Juliana Gressler, viera de Ijuí em 1918, estabelecer-se com uma casa comercial na então Vila Buricá, tendo dado nome a então Esquina Jost. Adão Vanin trabalhava como celeiro,
profissão muito requisitada e era alfabetizado - situação pouco comum naquela
época. O mesmo passou então a ajudar o Sr. Adão Jost, que era também "guarda livro", nas anotações de compras de
produtos e vendas de mercadorias aos colonos.
Outra tragédia com a família de
Marino foi quando o filho Ancelmo que estava trabalhando na abertura de
estradas em Palmeira das Missões faleceu, atingido acidentalmente, por um amigo
com disparo de revólver. Na época a família foi avisada por um mensageiro vindo
a cavalo e Marino e o filho Luís foram também a cavalo a Palmeira das Missões. Assim que receberam o aviso, prepararam a viagem, tendo chegado somente quatro
dias após o enterro de Ancelmo. Como não
conheciam ninguém e Palmeira das Missões gozava da fama de terra sem lei, após
visitar o túmulo do falecido e rezar três terços junto a sepultura, Marino e
Luís pernoitaram no cemitério mesmo, pois acharam ser ali o lugar mais seguro,
já que deveriam ter medo dos vivos e não dos mortos e naquela época nenhum vivente
passava perto do cemitério, a noite na região de Palmeira. Joaquina usou luto fechado
e fez jejum durante sete anos em favor da alma do filho, pois acreditava que o
mesmo poderia ter morrido em pecado, uma vez que fora surpreendido pela morte
inesperadamente.
A outra
tragédia com a família foi que um dos filhos do casal Marino e Joaquina, após o
término de um namoro, caminhava pela estrada em uma noite de lua cheia e
encontrou-se com um irmão da ex-namorada que andava a cavalo. Após uma breve
discussão, o ex-futuro cunhado passou a surrá-lo de rebenque. Então ele, como
quase todas as pessoas na época, andava armado e sacou de um revólver com
apenas uma bala no cilindro. Acertou o agressor com um tiro que lhe causou a
morte. Naquela noite mesmo, temendo uma vingança ou uma prisão arbitrária, ele despediu-se
da família e empreendeu uma fuga para a região de Passo Fundo. Este filho não
veio mais a Três de Maio até a prescrição do crime. As notícias eram
trocadas através das cartas que enviava para a família, usando o nome de outra
pessoa, um primo de dona Joaquina. Quando completou vinte anos do ocorrido, Safério, apresentou-se as autoridades e regularizou a situação.
Outra grande
desgraça foi em 1928 com a morte aos vinte e oito anos do genro Adão Vanin,
deixando viúva a esposa Júlia aos vinte e quatro anos e quatro filhos órfãos,
sendo que a filha mais velha do casal, Alzira tinha seis anos e o filho mais
moço, Orlando Vanin, vinte dias de vida. Naquela época não havia antibióticos e
a mortalidade infantil rondava as crianças e a morte muitas vezes atingia as
pessoas por motivos banais. Praticamente era uma vida sem assistência médica e
sem a possibilidade dos modernos e eficientes medicamentos que temos hoje. Adão
se criara em Marcelino Ramos e costumava, quando garoto, brincar em cima da
ponte dos trilhos do trem que atravessa o rio Uruguai, entre o Rio Grande do
Sul e Santa Catarina. Um dia distraiu-se e quando percebeu estava no meio da
ponte e o trem chegando. Durante a passagem do trem não poderia permanecer em
cima da ponte - por falta de espaço: A ponte só tinha a largura do trem. Então
correu o mais que pode e jogou-se no rio, mergulhando, tendo batido a cabeça
logo atrás do ouvido direito - apófise mastoide - em uma pedra. Mesmo ferido e
atordoado conseguiu nadar e salvar-se. O ferimento com remédios caseiros custou
a sarar e ele em vários momentos dos anos seguintes de vida, sentia que o local lhe doía. A doença ia e
vinha. No último ano a região do ferimento piorou muito. Ele montou em um
cavalo com a cabeça enfaixada, estava magro, tinha dor de cabeça, febre,
calafrios. Foi sozinho até Ijuí, ficou lá dois meses, antes da cirurgia, mesmo
doente, ajudou a cuidar outros doentes que também lá se encontravam, muitos deles
também sozinhos, em busca de tratamento. Cuidou uma mulher que se operou antes
dele e que depois retribuiu os cuidados. O médico optou por operá-lo. Tendo lhe
colocado no nariz uma compressa de éter que o fez perder o sentido por alguns
minutos, rapidamente, fez o melhor que podia na época e no lugar. Removeu parte
do osso e curetou o local, limpando com antissépticos. Sem analgésicos e sem
antibióticos sofreu dores lancinantes nas primeiras horas e nos dias seguintes.
Com o ferimento aberto e a cabeça enfaixada retornou para casa e foi definhando
até morrer, lamentando deixar os filhos pequenos e a mulher sem amparo. Nesta
época o casal morava em Tucunduva. No dia da morte de Adão, dona Joaquina
mandou vir na mesma carroça com o caixão do falecido, a filha, os netos e quase
toda a mudança para que a filha e os netos viessem residir em Três de Maio
novamente, tendo mandado construir uma casinha próxima do “estradão”, onde hoje
se localiza o antigo moinho da Cotrimaio. Júlia, usou luto fechado durante sete anos
pela morte do marido e nunca mais se casou, tendo criando os filhos com a ajuda
da família, mas com grande dificuldade.
A outra
tragédia aconteceu com um neto do pioneiro, no dia 01 de janeiro de 1939, meses
após a morte de Marino, no dia de uma festa da Igreja Católica. O Sr. Patricio
Fin havia carneado um dos bois para a festa, e mandou o filho, Francisco Paulo
Fin para pegar a mula e o cavalo no potreiro para levar a carne na carroça. O jovem de 13 anos levantou sonolento. Saiu
esfregando os olhinhos de sono, como contava chorosa a mãe Eulália mesmo anos
depois, pegou as cordas e foi até o potreiro. Como estivesse demorando muito
além do normal, o Sr. Patrício e outros membros da família passaram a
procurá-lo, sendo que primeiro encontraram a
mula com parte da corda rebentada. Foram encontrar o “Riquinho” como era
carinhosamente chamado pelos irmãos e primos, com as roupas rasgadas, mortalmente
ferido, atrás de um tronco de árvore, gemendo debilmente. A corda havia se
enrolado em uma das mãos e a mula disparara arrastando o adolescente por um
longo trecho, trajeto que ficou marcado de sangue, até que o corpo finalmente acabou
batendo na árvore e ali se desprendeu da corda. Segundo o relato do irmão
Severino Fim, a mula era muito caborteira e não se deixava pegar facilmente.
Tinha que aproximar-se dela com a corda escondida em baixo do braço, dar-lhe
umas espigas de milho e então rapidamente passar a corda no pescoço, e deve ter
sido isto que o jovem fez, porém, a mula deve ter se assustado e disparado e
como parte da corda estava em baixo do braço, acabou enrolando-se, sendo que o
jovem foi então arrastado praticamente até a morte. A festa da igreja matriz
foi suspensa e houve grande comoção em Três de Maio, tendo a encomendação e sepultamento sido acompanhado por um número
grande de pessoas, uma vez que o Sr. Patrício Fim era uma pessoa muito conhecida naquela época e o menino morrera
trabalhando pela igreja. O Sr. Patrício Fin, cuja mãe era da família Dall Pisol - conhecidos produtores de vinho da serra gaúcha -, seguiu uma tradição da
família e produziu, durante muitos anos, um dos melhores vinhos da região, e o
primeiro lote sempre era destinado gratuitamente para o uso do padre Vicente Testani, na celebração das missas, e para o lazer.
A filha
Júlia, após ficar viúva, ficou residindo em uma área de terra pertencente ao
pai, próximo onde hoje se situa o moinho da Cotrimaio. Como residia próximo da
estrada principal e pertinho da cidade, era muito comum na época que as pessoas
ali pedissem pousada. A propriedade muito humilde possuía um “galpãozinho” onde
os viajantes alojavam-se em cima da única cama ou mesmo no caso de mais pessoas
em cima das espigas de milho ou da alfafa. Sempre se tinha em estoque alguma
quantidade de trato para os animais dos visitantes. Diga-se de passagem, que
não era costume se cobrar o pouso nem a alimentação das pessoas, apenas alguns
viajantes colaboravam com o trato dos cavalos. Os filhos de dona Júlia achavam
aquilo um absurdo. Era quase todo o dia aquela mesma função, mas ela impunha a
sua vontade. Era um dever de cristã, dar pousada e alimento aos viajantes. Os
homens e os estranhos pousavam no galpão, as pessoas conhecidas ou mulheres com
crianças muitas vezes eram convidadas a dormir na casa, mesmo esta sendo bem
pequena e as crianças eram sempre as desalojadas.
O Circo Passou por Três de Maio
O lugar crescia e um dia apareceu um circo em Três de Maio. Não se pode
precisar a data exata em que o fato aconteceu. Bernardo, um dos filhos do casal
Geraldi, apesar das tragédias da família, era um rapaz alegre, muito brincalhão,
contador de anedotas e mentiras de caçador e pescador. Era o mais
moço dos rapazes e estava perto dos vinte anos quando um circo passou por Três
de Maio e ele, para apreensão dos pais, foi embora acompanhando o circo. Com o
circo viajou por todo o Brasil e segundo dizem teria ido até pela Argentina.
Aos vinte e oito anos voltou para casa. Em sua mala um nariz de palhaço, o
sapato comprido, a calça larga e a gravata colorida. Fez a festa para os
sobrinhos que só tinham ouvido falar dele. Manteve-se um grande contador de
causos e uma pessoa alegre até o fim da vida. Casou-se e constituiu família,
indo morar em Cruzeiro, Santa Rosa, com casa de comércio. Depois montou um atacado na Rua Voluntários da Pátria em Porto
Alegre.
Algumas
considerações Sobre Joaquina Wiebeling GeraldiO casamento de uma jovem de origem alemã com um italiano com hábitos, língua e cultura diferentes se fosse na Europa, estaria exposto a muitas dificuldades. Mas no Brasil daquela época, frente a realidade aqui presente, na verdade salientavam-se mais as semelhanças entre os imigrantes do que as possíveis diferenças. Mesmo descendendo de países diferentes da Europa, Marino e Joaquina tinham mais coisas em comum entre si do que com as pessoas que aqui se encontravam. Os dois falavam bem o português. Joaquina aprendeu a falar o Italiano e a família Geraldi em casa se comunicava nesta língua. Na alimentação também predominava a culinária italiana sobre uma mistura de hábitos alimentares da comida brasileira, alemã e italiana.
Na religião os dois eram fervorosos
frequentadores da igreja, sendo que rezavam o terço diariamente. O vizinho de
terra ao lado, o Sr. Emílio Teche que era evangélico, reclamava:
---- Vão menos a igreja e cuidem mais
das vacas que sempre escapam e vão estragar as minhas roças.
E dona Joaquina comentava:
---- Parece castigo! Mas estas vacas
fogem justamente no domingo de manhã, na hora da missa. Quando a gente volta
para casa, lá estão elas na roça do
Teche. Que vergonha!
Joaquina era a “médica” da família.
Era dela sempre a tomada de decisão de como tratar as doenças da família e até
dos vizinhos. Ela é que tratava das lombrigas das crianças, dos piolhos, dos
episódios febris, acompanhava de perto as parteiras das filhas, cuidava das
picadas de aranhas e de cobras, reduzia e imobilizava as fraturas de braços e
certa vez reimplantou os quatro dedinhos da filha Glória, de dois aninhos, que
colocou subitamente a mão na frente do facão com que o irmão mais velho
Bernardo cortava uma madeira. Os dedinhos foram decepados na altura das
falangetas - últimas articulações dos dedos. Joaquina recolheu os dedinhos,
lavou bem com água, identificou visualmente cada dedinho, colocou um por um
sobre os respectivos cotos, envolveu com paninhos limpos, untados com
banha, aproximou bem os cortes e imobilizou cada dedinho com caninhos de
taquara especialmente adaptados para cada dedo. O dedo mindinho foi o último a
ser localizado e demorou a ser recolocado no lugar - teria se passado mais de
duas horas. O reimplante da pontinha deste dedo não deu certo, mas diante da
gravidade do ocorrido, ficou uma sequela menor e Glória teve a estética e a
função normal nos dedos indicador, médio e anelar.
A mulher de muita fibra Joaquina
Filipina Wiebielin Geraldi faleceu no ano de 1955 na cidade de Caxias do Sul, onde havia ido residir junto com a filha Glória e a neta Clara Fin.
O Cotidiano da Família
Nas naqueles longínquos anos, 1910, 1920,
1930, rios com um metro de água eram atravessados a cavalo, sem medo. Às vezes
o rio enchia com a chuva e o “passo” enchia. Julia Geraldi contava que nas idas
a Tucunduva, surpreendida pela chuva, mais de uma vez, percebeu o
cavalo, nadando em determinados trechos da travessia do "Lageado Cachorro".
Para se ter uma ideia de como os
viajantes viajavam tranquilos que até cochilavam montados, com o cavalo andando
a “passito”. Certa vez Julia Geraldi Vanin, saiu de madrugada de Tucunduva a Três de Maio. E o irmão Luís, saiu no
sentido inverso pelo mesmo caminho, na mesma hora. Os viajantes dormindo sobre
os cavalos andando, se cruzaram no único caminho que havia e um não percebeu o encontro
com o outro, sendo motivo de grande surpresa para os dois, que encontraram num
breve cochilo simultâneo a explicação para o fato de terem se cruzado na estrada, sem que tenham se apercebido.
Outra curiosidade refere-se a
culinária da época. Uma maneira rápida de resolver o problema de fazer uma
alimentação melhor para uma visita inesperada, além botar mais água no feijão,
era atiçar os cachorros treinados em um galináceo no pátio, ou matar a tiros o
bicho e assim servir uma carne fresca, uma vez que não existia refrigerador.
Claro que sempre se podia recorrer a carne de porco frita, conservada no pote
de barro com banha, ou ao salame ou ao charque defumado, além de também poder
se valer de inúmeros ovos mexidos fritos na banha, juntamente com queijo e
linguiça.
A saúde das
pessoas, naquela época, se pode fazer uma ideia do que acontecia. A tal de “morte
de repente” era bastante frequente, e deixava as pessoas inseguras, pois
imaginavam que se poderia morrer por qualquer bobagem. Morreu e não tinha nada,
não estava doente, afirmavam, lamentando alguma bobagem que o falecido fizera.
Como não se dosava colesterol, não se media pressão sanguínea, as pessoas
enfartavam, ou tinham acidentes vasculares e morriam rapidamente. Então se buscavam explicações para as mortes em coisas normais da vida. Tomou água gelada,
recém tirada do poço - nem refrigerador existia - com o corpo quente, vindo da roça e caiu morto,
explicavam. A ignorância fazia com que muitas coisas fossem tabus: moça
menstruada não tomava banho, nem lavava a cabeça! Não misturar certas frutas: Uva
com melancia, melancia ou uva com leite, pêssego com leite. A tal de congestão
era muito temida. Alimentar-se e tomar banho antes de esperar três horas, era
considerado perigosíssimo. O banho de rio com estômago cheio era muito temido.
O que ocorria muito também, era a
morte sem a mínima assistência médica ou farmacêutica. As pessoas com doenças
malignas ou terminais eram, como chamavam na época “desenganadas”, e faleciam em
casa sem analgésico para diminuir a dor, desidratadas, sem sedativos, enfim sem
qualquer suporte para uma morte com um pouquinho de dignidade. Algumas pessoas
com câncer de esôfago, quando o tumor obstruía totalmente a passagem de
qualquer alimento e até mesmo de água, morriam de fome e sede, quando poderiam
ainda ter vivido pelo menos mais alguns meses ainda. Pessoas com tumores
abertos, exalando um enorme mau cheiro, eram cuidadas em casa com compressas das
mais diversas, como cenoura ralada. Quase todos os “moribundos” a única coisa que recebiam era o
carinho e os cuidados dos familiares, mas que para os padrões de hoje, não
possuíam, no entanto, nenhuma condição material e técnica para cuidar de seus
doentes. Faziam o que podiam, com toda a paciência e boa vontade.
Os mortos eram enterrados em covas
com sete palmos de fundura e as primeiras porções de terra jogadas sobre o
caixão produzia um barulho muito próprio, que geralmente era acompanhado do choro
intenso dos parentes e amigos. Os
católicos no sétimo dia de falecimento costumavam ir ao cemitério, família e
amigos mais chegados para rezar o terço.
Outra coisa bastante comum naqueles
tempos do início dos anos 1900, era que as pessoas nem relógio possuíam e as
que possuíam, os aparelhos da época todos a corda, ou adiantavam ou atrasavam
alguns minutos por dia, o que no fim de algumas semanas dava uma diferença de
meia hora, ou mais, e não havia como ouvir rádio, ou outro recurso para acertar o
relógio. A sorte é que a vida do interior não precisava muito de relógios, e o
que comandava tudo era o nascer e o por do sol que marcava o início e o fim das
atividades do trabalho fora de casa. Um relógio biológico que ajudava muito era
o tal de estômago, pois a fome vinha quase sempre a mesma hora. Marino possuía um calendário com o nascer e
por do sol no sul do Brasil, nos diversos meses do ano. Dizem alguns
especialistas que se bem observado, em dias de tempo bom, este calendário permite
acertar o relógio com uma margem de erro não muito superior a dez minutos. Em
relação a questão do relógio, havia uma dúvida se a neta Alzira havia nascido
dia 21, ou 22 de abril. O pai, Adão Vanin olhou o relógio de bolso e afirmou que
o nascimento ocorrera as 11:45 da noite e que ela nascera no dia 21. Já dona
Joaquina, a avó materna, grande observadora da natureza, saiu para fora de casa
olhar a lua e afirmou que já passava da meia noite e que a neta, com certeza, nascera
no dia 22. Apesar dos protestos de dona Joaquina, valeu a afirmação do pai e o
aniversário era comemorado dia 21, porém a dúvida não deixou de ser relatada.
Final
Até agora a história dos primórdios
de Três de Maio não mencionava a passagem por estas terras destes dois
pioneiros, bravos desbravadores, gente de fé, luta e trabalho que deixaram uma
descendência de filhos, netos, bisnetos, trinetos e tetranetos que hoje somam
mais de quinhentas pessoas espalhadas por Três de Maio e pelo restante do Rio
Grande do Sul, Brasil e até no exterior, nas mais diversas profissões (médicos,
Juízes, advogados, cirurgiões-dentistas, delegados de polícia, oficiais das
forças armadas, policiais, políticos, bancários, contadores, auditores,
empresários, professores, comerciantes, agricultores, estudantes, etc.), levam
ainda no DNA o espírito do trabalho, da honestidade, da espiritualidade, da
justiça, da solidariedade e do amor, herdados deste valoroso casal, que mesclado
as não menos importantes contribuição de todas as outras pessoas que cruzaram
na vida dos descentes, fazem deles as pessoas valorosas que são. Veja mais sobre a história de Três de Maio
Referências:
1- Comunicação verbal da neta de Marino, Maria Alzira Vanin Trage, do neto Pedro Geraldi Vanin, das filhas Julia Geraldi Vanin, Eulália Geraldi Fin e do filho Bernardo Geraldi aos familiares ao longo de suas vidas.
2- Alfarrábios da Família Vanin, VANIN, Osvaldo Geraldi . Coletânea de documentos e discursos do autor ao longo de mais de 80 anos.
3- Discursos do Procurador Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Orlando Giraldi Vanin, como orador oficial nos festejos da semana da pátria de 1972 em Três de Maio.
4- Entrevista pessoal com o Dr. Severino Fin, concedida na data de 26 de julho de 2013.
5-Títulos de Terras emitidos pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e os respectivos registros no Registro de Imóveis de Santa Rosa e Santo Ângelo.
Muito boa sua pesquisa , sou tataraneta de Marino. Obrigada por essas informações!
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