INTROCUÇÃO
Muitas pessoas que vivem o presente momento histórico de
Três de Maio, talvez tenham interesse sobre o passado desse município,
localizado na região Noroeste do Rio Grande do Sul. Esta reconstituição
histórica aqui apresentada poderá, eventualmente, satisfazer um pouco a
curiosidade de alguns leitores, pois, através da leitura destas páginas,
poderão encontrar detalhes até agora desconhecidos do público a respeito dos
primeiros habitantes que viveram na região: índios, camponeses nacionais,
imigrantes e seus descendentes.
O presente trabalho se baseia em fontes primárias de
informação, como títulos de terra da colonização de Três de Maio, certidões de
nascimentos, de casamentos ou de óbitos de alguns personagens históricos que
viveram no cenário dos primeiros tempos do município; porém, o maior volume de
dados que apresentamos, se baseia em história oral.
O uso de informações de expressão oral para a realização
de uma reconstituição histórica, só é possível quando se pode dispor de
interlocutores, ainda com boa capacidade de memória, para lembrar de
fatos/eventos que sejam reportados ao recorte do espaço geográfico e temporal
do objeto estudado (TEDESCO, 2011).
Felizmente, através das memórias de nove interlocutores
ouvidos, ao longo de algumas décadas, envolvendo a temática dos primeiros
tempos de Três de Maio, foi possível coletar um volume de dados que nos permite
realizar a narrativa de alguns fatos pitorescos dos primórdios do povoado Buricá
e chegar a algumas conclusões ou, no mínimo, formular hipóteses a respeito de
como se desenvolveu o processo de povoamento desta localidade do noroeste
gaúcho.
Nenhuma reconstituição histórica da colonização do município
de Três de Maio, até o momento, registrava de forma segura, a chegada pioneira,
no ano de 1913, do imigrante italiano, Marino Geraldi, juntamente de sua
esposa, Joaquina, e dos filhos: Eulália, Luís, Anselmo, Safério, Júlia e Xavier
a uma área de terras muito próxima da atual sede urbana da cidade.
O sobrenome original
desse pioneiro é Marino Ghiraldo. No entanto, ao chegar no Brasil, vindo da
Itália, o sobrenome passou a ser utilizado de forma variada, como: Geraldi,
Giraldi ou Girardi. Mas, a grafia que acabou prevalecendo, no caso de Marino e
seus descendentes, foi Geraldi, portanto, esse é o sobrenome que usaremos neste
trabalho.
Os filhos do casal Geraldi, atualmente, já são falecidos. Foram
todos pioneiros na colonização de Buricá e, ao longo de suas vidas, comentaram
a ausência do nome de sua família nas versões da história do início do
povoamento, que veio a dar origem ao atual município. Existem, ainda, alguns
netos do casal residindo em Três de Maio, mas a maioria se encontra em Porto
Alegre.
No ano de 2012, organizamos uma entrevista com o médico Severino
Fin, na época, o neto mais velho, ainda vivo, de Marino Geraldi, médico e
coronel aposentado do exército. O Dr. Severino, felizmente, se manteve com boa
memória até o final da vida e, portanto, pôde nos ajudar a confirmar muitos fatos
e a introduzir novos detalhes da presença do avô, no início da colonização de
Três de Maio. Esse interlocutor faleceu no ano de 2017, com 93 anos, em Porto
Alegre.
Outro neto de Marino, Osvaldo Geraldi Vanin – primeiro
três-maiense a chegar ao posto de coronel PM da Brigada Militar –, viveu toda a
infância e a juventude em Três de Maio, tendo, depois, passado a residir em
Porto Alegre. O coronel Vanin, como se tornou conhecido, arquivou, ao longo de
sua vida, fotos da família e documentos de sua trajetória pessoal, que
estão reunidos em materiais gráficos e arquivos eletrônicos não publicados, por
ele intitulados de: Alfarrábios da
Família Vanin. Osvaldo Vanin, gentilmente, nos cedeu uma cópia de seu
acervo de documentos, sendo que muitos deles foram utilizados como fontes para
a produção deste trabalho. Osvaldo viveu até os 94 anos, tendo falecido no ano de 2019.
Alzira Vanin Trage, minha mãe, também neta do casal Geraldi,
sempre residiu em Três de Maio, faleceu em 2012, com 89 anos. Ela era uma
grande contadora de histórias, descrevia os antepassados de forma detalhada.
Alzira, ao ficar órfã de pai, aos seis anos e meio, e sendo a neta mais velha,
durante alguns anos, morou com o avô, Marino Geraldi.
Naquela época, não havia computador, televisão
Outro neto do pioneiro, Orlando Giraldi Vanin –
ex-Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, juiz, e ex-presidente do
Tribunal da Justiça Militar do RS –
Outros interlocutores importantes foram as filhas do casal
Geraldi, Eulália e Júlia; e os netos Pedro Vanin e Pedro Fin. Eles foram
unânimes em afirmar a data de chegada da família de Marino e Joaquina em Três
de Maio: o ano de 1913.
Enquanto reuníamos o material a respeito de Marino Geraldi e
seus descendentes, recebemos na casa da família Trage
Já vínhamos coletando detalhes a respeito das histórias da nossa
família, mas, a partir de 2013, nos empenhamos em procurar por fontes primárias
que pudessem dar corpo a um acervo documental que corroborassem os nossos dados
já coletados, ou mesmo que trouxessem informações novas a respeito da
colonização de Três de Maio.
Através de minha prima segunda, também bisneta de Marino,
Cláudia Fin, descobrimos algo muito importante: um artefato metálico em formato
cilíndrico, alongado, contendo fundo e tampa e que, possivelmente, servia, na
época, para guardar e conservar os documentos mais relevantes. No interior
dele, se encontravam, dentre outros documentos, dois títulos de aquisição das
duas colônias de terras da colonização adquiridas por Marino Geraldi. O
primeiro deles é do lote n. 2, da 2ª seção de Santa Rosa, de 1918, assinado
pelo então presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Borges de Medeiros; o
segundo título é de 1924, do lote n. 4, na mesma seção de Santa Rosa (Anexos 1,
2, 3 e 4).
Os dois documentos estavam muito deteriorados pela má
conservação e pela passagem tempo, mas o conteúdo pôde ser conhecido (Anexo
4). Junto a eles também se
encontravam as certidões dos registros de imóveis de Santa Rosa e Santo Ângelo,
onde constam os respectivos registros das áreas anteriormente descritas.
Marino também adquiriu mais duas colônias de terra em nome dos
filhos maiores de idade na época: Eulália e Luís. Do título da colônia de
Eulália, também de 1918, o lote n. 6, foi obtida cópia do documento original,
acompanhado da certidão do registro de imóveis de Santa Rosa.
Na intenção de colaborar com o trabalho de pesquisa, todas as
informações que havíamos coletado sobre Marino Geraldi foram repassadas a João
Sabino Bonfada, com quem nos reunimos duas vezes para analisar conjuntamente o
material. Infelizmente, com o agravamento do estado de saúde, o referido
pesquisador veio a falecer pouco tempo depois, deixando o trabalho apenas
iniciado, em seus arquivos pessoais.
Dona Vilma, esposa de Bonfada, alguns meses após a morte do
marido, chegou a nos contatar, falando da sua intenção de repassar-nos os dados
da história de Três de Maio que o falecido esposo já havia coletado, pois,
desejava que o esforço dele não se perdesse. Porém, antes que houvesse essa
transferência de informações, fomos surpreendidos pela morte de dona Vilma, de
forma que estes dados, possivelmente, estejam em posse de seus familiares.
Decidi, então, a partir da interrupção do trabalho de João
Sabino Bonfada – e posso afirmar que fui muito instigado por ele –, eu mesmo
levantar e sistematizar os dados referentes aos meus antepassados pioneiros de
Três de Maio. Com certeza, ser três-maiense e ter vivido a infância e a
adolescência em meio a um grande grupo familiar, onde tantas histórias dos
antepassados foram contadas, aguçou-me o interesse por esta temática. Minha
graduação original é a odontologia, porém, após a aposentadoria, em 2021,
realizei um Mestrado em História, fato que efetivamente ampliou meus olhares
sobre eventos históricos e me proporcionou as ferramentas metodológicas mais
adequadas para trabalhar esta área do conhecimento.
Na primeira parte desta pesquisa, trago a história da família
Geraldi, e, na segunda parte, apresento algumas informações a respeito da
família Trage, que chegou ao município de Três de Maio, no ano de 1918,
proveniente de Montenegro.
Essa migração feita pela família Trage foi interessante, pois
representou uma migração familiar, tendo vindo para Três de Maio, quase ao
mesmo tempo, Carlos Trage com esposa, filhos e filhas; sua mãe Johanna, e seus
numerosos irmãos e cunhados, com suas respectivas famílias, totalizando, com
certeza, mais de trinta pessoas. Permaneceu em Montenegro apenas a família de
João Trage.
A partir
das informações coletadas, foi possível realizar uma reconstituição de
fragmentos de fatos marcantes da vida e do cotidiano dessas duas famílias. As
referências a acontecimentos, locais e épocas, são bastante precisas e, agora,
através deste trabalho, estão aqui compartilhadas com os leitores e outros
pesquisadores.
Nosso estudo também se utilizou de
informações encontradas em uma revisão bibliográfica sobre a temática da
colonização do noroeste do Rio Grande do Sul, recurso que nos possibilitou levantar
dados do panorama do povoamento da região de Três de Maio, cujas fontes serão
citadas oportunamente.
Deste modo, temos o
propósito de que a leitura deste livro possa prover conhecimentos de muitos
detalhes do cotidiano da população daquela época, seus hábitos, seus costumes e
algumas histórias da vida privada de alguns dos personagens históricos.
As famílias pesquisadas pertencem ao
meu círculo familiar. Contudo, apesar do parentesco e do respeito que temos por
nossos antepassados, procuramos fazer um trabalho cercado de cuidados
epistemológicos para manter uma isenção de julgamentos, trazendo, basicamente,
os fatos constatados pelos documentos e mantendo a fidelidade às narrativas dos
interlocutores. Apesar do esforço da pesquisa, esse é um intento difícil de ser
conseguido, pois quando o pesquisador mantém um vínculo de carinho e uma
relação de proximidade, como a que se estabelece entre parentes, ele pode ser
influenciado por sentimentos na hora de analisar determinados fatos.
Entretanto, qual narrativa não seria atravessada de algum tipo de
subjetividade? Nem por isto ela deixa de ser válida.
Segundo Ricouer (2007), ao descrever
os paradoxos que afligem nossa experiência humana do tempo, o passado está
presente, graças às imagens de eventos passados que chamamos de lembranças, e o
futuro está igualmente presente, como resultado de abstrações mentais de
antecipação ou de expectativa. Diante disso, buscar o passado de Três de Maio
justifica-se socialmente pela relação que ele apresenta com o presente e o
futuro desse município.
A memória, assim como a história, é
sempre um modo consciente ou inconsciente de seleção sobre o passado, resultado
de uma construção intelectual, sujeita a várias influências e passível de
diferentes releituras (TEDESCO, 2011). Este trabalho procurou trazer a
narrativa do modo mais fiel possível, observada pelo olhar de quem vivenciou os
fatos e os significou, de forma a dar a representatividade aos eventos já
decorridos no tempo.
Um
tempo, como diriam os antigos, de “pés no chão”. Ser “pé no chão” pode possuir,
muitas vezes, um sentido figurado para referir-se a uma pessoa sensata e
realista, mas, também se relaciona a uma época que as pessoas pouco usavam
calçados e andavam, de fato, de pés no chão. A partir dos dados coletados e das
referências bibliográficas, realizamos um cruzamento e uma revisão das
informações, fazendo com que as fontes dialogassem entre si. Enfim, observando
cuidados epistemológicos, elaboramos a realização deste trabalho de
reconstituição histórica.
A primeira população da região de Três de Maio: os índios e os camponeses nacionais[1]
Embora as histórias de algumas
regiões do noroeste gaúcho, geralmente, comecem a ser contadas a partir da
chegada dos colonizadores, é muito fácil intuir que essas não eram áreas totalmente
desabitadas. Diante de tal constatação, pode-se afirmar com segurança, que as
terras pertencentes ao atual município de Três de Maio já contavam com uma
pequena população de nacionais, quando a colonização começou na região através
da migração de imigrantes, ou descendentes de imigrantes, que residiam nas
chamadas “Colônias Velhas”[2]. A
prova de tal fato, são os relatos de Marino Geraldi e seus familiares, de que
ao chegarem ao lugar em 1913, já existiam picadas, por onde transitavam
pessoas, e também ranchinhos com pequenas roças e alguns animais, como porcos,
vacas e galinhas.
Ali viviam alguns indígenas, e, mais
comumente, camponeses nacionais conhecidos no Rio Grande do Sul como caboclos,
que a partir de determinado momento histórico passaram a povoar as terras
devolutas do estado[3].
Muitos historiadores e cronistas da época ignoraram a existência e o trabalho
do camponês nacional, exaltando a figura do imigrante (RISTOW, 2016; GEHRARDT,
2012).
Schönardie (2008)
identifica os povos autóctones, os indígenas, como os primeiros habitantes de
Três de Maio. O autor, em sua dissertação de mestrado, apresentada na Unijuí,
em 2008, intitulada O histórico-cultural
na constituição do humano: a presença dos signos representativos do movimento
cooperativo em Três de Maio/RS, destaca como prova de tal fato, a presença
de um sítio arqueológico na
zona rural do município, entre as localidades de Quilômetro 10 e Quilômetro 13.
Neste trabalho, vamos dar
visibilidade às diversas possíveis contribuições ao povoamento e ao
desenvolvimento do município de Três de Maio, pois, concordamos com Gehrardt
(2009), quando comenta que em algumas histórias produzidas sob o patrocínio de
municípios, existe uma visão etnocêntrica, que acaba valorizando somente a
atuação de uma, ou de poucas etnias, na construção da história dessas
localidades.
Schönardie (2008) afirma que havia na região do atual município de
Três de Maio, a presença de caboclos, como posseiros, embrenhados nos matos,
antes de 1910, e que a partir daquele ano, começaram a chegar as primeiras
famílias de colonizadores italianos, poloneses e alemães. O nosso estudo nos permite
corroborar as afirmações de Schönardie, pois, segundo os relatos dos
descendentes de Marino Geraldi, que chegou a Buricá em 1913, também é apontada
com segurança, a existência de uma população de camponeses nacionais vivendo na
região hoje pertencente a Três de Maio, isso, antes da chegada dos imigrantes
ou de seus descendentes. Portanto, indígenas e caboclos foram os primeiros
habitantes do lugar.
Segundo Schönardie
(2008), as primeiras levas de imigrantes mais significativas provieram de Ijuí,
a partir de 1915, dando lugar, em seguida, a uma predominância da vinda de
colonizadores das “Colônias Velhas”, tendo havido, então, rapidamente a
ocupação de áreas mais expressivas de terras na região.
Ao longo deste capítulo, vamos continuar nos
valendo das informações coletadas por Schönardie (2008) para tentarmos entender
o processo de colonização de Três de Maio e, modestamente, apresentaremos,
também, a nossa contribuição a respeito da “gente”[4] que já
morava no lugar, a partir de informações verbais fornecidas pelos descendentes
do primeiro imigrante que passou a habitar a região em 1913, Marino Geraldi.
Contextualização do espaço social da
região do município de Três de Maio próximo à virada do século XX
Para podermos entender melhor o panorama em que se deu o
povoamento do noroeste do Rio Grande do Sul, vamos, preliminarmente, de forma
sucinta, conhecer alguns detalhes daquilo que Gherardt (2012) chama de paisagem
da região, pois, segundo Santos (1997), todos os elementos contribuem para
produzir determinado resultado no espaço social e, portanto, os fatores da
geografia e da ecologia do lugar influenciam, e influenciaram, o transcurso e o
resultado de qualquer processo de colonização.
Três de Maio, juntamente a outros
municípios da região Noroeste do RS, se situa na zona chamada de planalto,
possuindo altitudes maiores do que a região da costa do Rio Uruguai (SCHREINER,
2020). Durante o século XIX, predominou ali a densa Floresta Estacional
Decidual[5],
caracterizada por uma grande variedade vegetal e a presença de imponentes
árvores, sendo que as florestas de araucárias, com sub-bosques de outras
espécies, também podiam ser encontradas na região.
A essas formações florestais que
ocupavam espaços distintos, se dava a denominação geral de mato (VELOSO; RANGEL
FILHO; LIMA, 1991; NODARI, 2009, apud GEHRARDT 2012). O mesmo autor comenta em
seu trabalho (2012) que poucos intelectuais, na época, visitaram a área, sendo
um deles o cronista Evaristo Affonso de Castro, que esteve na região no final
de 1880 e registrou a existência de várias árvores nativas, como cabriúva,
pinheiro, louro, cedro, canela, angico, ipê, guajuvira, paineira, timbaúva,
cambará, rabo-de-bugio, erva-mate, e ainda, algumas frutíferas, como cerejeira,
araçazeiro, pitangueira, guabiroba e uvaia, dentre várias outras espécies
vegetais.
No mesmo ambiente, Castro registrou
a presença de porcos, antas, tamanduás, pacas, cutias, jaguatiricas, gatos,
lontras, leões-baios, guaraxains, tatus, bugios e várias espécies de veados. A
lista do cronista ainda incluiu diversas aves, como a saracura, o uru, o
macuco, o nhandu, o jacu e também variadas espécies de peixes e de abelhas.
Pela descrição da flora e da fauna,
pode-se perceber que havia uma importante biodiversidade que tornava aquele
ambiente estável e resiliente, capaz de abrigar a presença humana e se manter
ecologicamente em equilíbrio (GEHRADT, 2012).
Segundo
Ristow (2016), no final do século XIX, no sul do Brasil se tinha a visão de que
os campos eram a única fonte de renda onde as extensões de terra poderiam
produzir, por esse motivo, se atribuía a eles uma grande importância, que
ofuscava a relevância das matas onde vivia uma grande parcela da população de
camponeses nacionais. A criação de gado teve um sucesso tão expressivo em solo
sul-rio-grandense que tomou conta de quase todo o campo, empurrando para as
regiões do mato as lavouras, constituídas pelas roças plantadas por caboclos e
indígenas.
Gerhardt
(2012) nos chama a atenção para o fato de que o termo camponês nacional é uma
denominação inclusiva e não preconceituosa que algumas historiografias adotam
para referir-se ao caboclo. Vejamos o que nos diz o autor sobre o preconceito
disseminado a respeito dessa figura:
[...] a ele foram
associados, preconceituosamente, atributos como: pobre, preguiçoso, isolado
geograficamente, morando precariamente, imprevidente, relapso, perigoso,
intruso e posseiro. Por outro lado, a historiografia tem denominado esta
população de trabalhadores livres, lavradores nacionais, lavradores pobres ou
camponeses nacionais, em um esforço conceitual de inclusão (GERHARDT, 2012, p.
243).
Segundo Ristow
(2016), os camponeses que não trabalhavam como peões nas fazendas de gado, eram
os que se dedicavam à agricultura de subsistência e à extração da erva-mate nas
terras devolutas do estado, locais constituídos de “terras públicas”, de mata
nativa, sem qualquer destino dado pelo governo, e cujo interior era ocupado por
uma escassa, mas não inexpressiva população de camponeses nacionais, que ali
moravam e plantavam suas roças.
A historiografia da época descrevia essas áreas como
inóspitas e selvagens, fato que contribuía para que se formasse a ideia de que
eram regiões improdutivas e despovoadas. Por esse motivo, a população de
caboclos, que optou por viver nas matas, passou praticamente despercebida pelas
demais pessoas, e até mesmo pelas autoridades, que pouco estenderam a elas as
facilidades de aquisição de terras (RISTOW, 2016).
Em parte, esse descaso com os nossos compatriotas camponeses
pobres, pode ser compreendido dentro do contexto descrito anteriormente por
Gerhardt (2012), em que ao longo do tempo, a figura do caboclo foi sendo vista
de forma depreciativa, como um indivíduo indolente e preguiçoso, criando-se uma
representação social que o colocou como símbolo do atraso na agricultura e na
economia da região Sul. Esse fato também foi o que justificou a sua
substituição pelo imigrante europeu, visto como um braço forte e trabalhador,
promovedor do progresso
(GERHARDT, 2012).
Segundo Riske (2016), no final da
década de 1880, grande parte da região de Santo Ângelo – que incluía Três de
Maio – era coberta por matas com grandes extensões e uma baixa densidade
demográfica. Então, a partir de 1889, iniciou-se uma política de colonização do
noroeste, a fim de promover a ocupação e o povoamento.
Segundo Christensen (2008, apud
RISKE, 2016), os indígenas Kaingangs, nesta época, ainda presentes de forma
expressiva fora dos aldeamentos, revoltavam-se, usando até mesmo da violência
contra a ocupação das florestas pelos novos colonizadores. Os descendentes de
imigrantes, foram os indivíduos que mais se deslocaram em direção às novas
colônias da fronteira noroeste e, aos poucos, os indígenas foram perdendo o seu
espaço para esses novos ocupantes, que chegavam com a árdua tarefa de desmatar
a área que seria utilizada para a plantação das roças.
Uma das prioridades elencadas pelo
governo do estado para que os colonos ocupassem a região de Santa Rosa, vizinha
a Três de Maio, é que fossem brasileiros, casados com brasileiras, sendo
exigida a certidão de nascimento, o certificado de quitação militar e o atestado
de boa conduta. Estes pioneiros encontraram muitas dificuldades, pois
adentravam em matas fechadas, necessitando derrubar árvores das matas nativas para
fazer as primeiras lavouras, e então passar a produzir os alimentos necessários
à subsistência, como milho, feijão, arroz, mandioca, batata-doce, amendoim e
abóbora, dentre outros (RISKE, 2016).
É dentro deste contexto de
valorização do imigrante e/ou seus descendentes, e de descaso e de esquecimento
dos “nacionais” que chegou, onde se localiza a cidade de Três de Maio nos dias
de hoje, o imigrante italiano Marino Geraldi e sua família, no ano de 1913
(VANIN, 1971).
Antes da vinda definitiva com a
família, Marino fez uma incursão anterior ao lugar, acompanhado de um morador
de Catuípe, que já conhecia a região, cujo sobrenome era Meller. A viagem foi
feita a cavalo, através de picadas na mata. Ao chegar a um local bem próximo de
onde, hoje, se estabelece a região urbana da cidade de Três de Maio, o
imigrante italiano gostou da paisagem (VANIN, 1998).
A região, na época, ainda era
composta por áreas de terras devolutas. Marino, então, escolheu uma baixada,
próxima a um córrego de água, pois acreditava que ali teria boas terras de
várzea para cultivar. Pela experiência que teve em Tubarão, residência anterior
da família, onde as pessoas contavam que já cultivavam terras assim há várias
décadas, ele imaginava que esse tipo de solo se manteria fértil por muito
tempo. Concluiu que ali era um bom lugar para se estabelecer. Exigiria muita
coragem, trabalho e sacrifício, mas sem custo em dinheiro com a compra das
terras (INTERLOCUTOR 2). Percebendo uma fumarola em um lugar não muito
distante, Marino dirigiu-se para àquela direção. Tendo encontrado uma nova
picada, trilhou por ela até encontrar uma área parcialmente roçada e com
pequenas lavouras. Havia também uma choupana, que ele descobriu estar sendo
habitada por José Bernando – um indígena “aculturado” – e sua família.
Historicamente, sabemos que o
governo havia promovido uma “limpeza” no território, retirando dali os
indígenas, que foram confinados nos aldeamentos; contudo, alguns deles haviam
adquirido hábitos dos “invasores” ou se miscigenado com outras etnias e
preferiam morar de forma livre na mata. José Bernardo era um desses indivíduos.
Sabendo como seria difícil começar
ali do nada e percebendo a existência de uma certa infraestrutura naquele
local, Marino resolveu fazer uma pequena oferta em dinheiro pela cessão da
posse da área que o indígena ocupava e mais os utensílios e animais que o mesmo
possuía. José prontamente aceitou a proposta, cedendo a moradia, as pequenas
lavouras de milho, de mandioca e de pasto, tendo deixado também o pilão e
alguns animais, como porcos, galinhas, a vaca de leite e mais um plantel de três
cabeças de gado, sendo uma delas, um touro (INTERLOCUTOR 2).
Vista com o olhar de hoje, na virada
do século XX, a primeira impressão que se teria da região de Três de Maio,
habitada por camponeses nacionais, seria de abandono e de atraso, isso se
levarmos em consideração o estado das moradias, feitas sem usar nada
industrializado como pregos e dobradiças, as pequenas roças e os poucos
animais. Devemos lembrar, porém, que estávamos há mais de cem anos e, portanto,
a cultura cabocla e o modo de vida eram muito diferentes. Não se pode olhar e
julgar tempos distantes, sob o prisma do desenvolvimento e das tecnologias
atuais!
Era uma forma de viver, que fazia
ser bem mais fácil iniciar uma nova vida, do zero, em um lugar diferente, pois
se acumulava pouquíssimas coisas. A mudança era o que se podia levar em uma
carreta, no cavalo cargueiro, ou mesmo o que se suportasse carregar nas costas.
Podemos aduzir que esses hábitos tenham sido herdados dos indígenas. Segundo
Gerhardt (2012), essas populações sabiam que a estadia naqueles lugares era
provisória, pois não possuíam a propriedade legal da terra, que era vista como
um bem-natural, lugar de buscar a subsistência para viver.
Para os caboclos e indígenas, era
mais importante usufruir e tirar da natureza o sustento da família do que
possuir um título de propriedade (GERHARDT, 2012). Isso pode explicar a
relativa facilidade com que Marino Geraldi conseguiu convencer José Bernardo a
abrir mão da posse de suas lavouras e outros bens, em troca de valor monetário.
Quando, cinco anos mais tarde,
Marino adquiriu, em 1918, os lotes da colonização, da mesma maneira que fizera
com José Bernardo, ele convenceu dois “posseiros” que moravam dentro dos
limites de um dos lotes que adquirira para uma filha, a saírem, pacificamente,
mediante algum pagamento em dinheiro.
Marino acertou que José Bernardo deveria ficar
ali até o momento em que ele retornasse com os demais familiares, o que
ocorreria dentro de algumas semanas; enquanto isso, sugeriu que o indígena
construísse uma nova morada e, como seu vizinho, fosse abrindo uma clareira e
construindo uma casinha (INFORMAÇÃO VERBAL[6],
interlocutor 2).
Marino voltou a Catuípe, comprou uma
carroça, alguns cavalos e todos os utensílios necessários para a viagem e para
se estabelecer na nova morada, juntou-se a família que o aguardava e, então,
vieram todos para Santa Rosa-Buricá (INTERLOCUTORES 1 e 2).
Os caminhos que levavam aos lugares
pequenos e mais distantes, eram picadas abertas na mata fechada, eles
possibilitavam a passagem, quando muito, de uma carroça ou de uma pessoa a pé
ou a cavalo. Quando permitia a passagem de carroças, geralmente, não havia a
possibilidade de duas andarem ao mesmo tempo, por isso, quando havia o encontro
de alguém em sentido contrário, um dos dois veículos precisava sair do caminho
e abrir espaço para a outra condução passar. Isto nem sempre era tarefa fácil,
pois muitas vezes havia a presença de grandes árvores, ou de barrancos nas
margens da estrada (INTERLOCUTOR 9).
Existiam os “passos naturais[7]”,
locais em que a própria natureza havia criado as condições favoráveis para a
travessia do leito dos rios. Nesses espaços, o nível das águas era mais raso,
com o leito razoavelmente plano e as barrancas das margens baixas por natureza.
Quando as margens eram altas, precisavam ser rebaixadas à custa de trabalho
humano. Nesse caso, se dizia que o “passo” havia sido construído.
Às vezes, quando chovia muito, o rio
não dava passagem, demandando nadar para vencer o transcurso. Nesses locais dos
“passos”, durante a viagem, se aproveitava para matar a sede dos animais e das
pessoas e pegar uma reserva de água para a jornada seguinte (INTERLOCUTORA 1).
O pouso era feito, geralmente, em
uma parada ao fim da tarde, junto às margens da estrada que oferecia alguma
estrutura de apoio logístico, como, água para beber, comida para as pessoas e
trato para os animais; ou em alguma moradia cujos proprietários eram pessoas
hospitaleiras, que davam de bom-grado apoio aos viajantes, geralmente, sem
cobrar quase nada. Nestes casos, era muito raro que as pessoas dormissem
confortáveis em uma cama, sendo que, na maioria das vezes, dormiam no chão,
sobre alguma coisa que amaciasse um pouco a superfície dura do solo, como um
monte de capim, de palha de milho ou de feno de alfafa (INTERLOCUTOR 2).
Os transeuntes, surpreendidos pela noite, sem
saber o que encontrariam no caminho à frente, improvisavam um pouso no local em
que se encontravam. Em lugares mais retirados, na época, as pessoas ficavam
felizes de ver outros chegando. Todos desejavam que a população dos lugares
interioranos crescesse, pois, em geral, isso traria o progresso. A viagem
continuava, assim que a claridade do nascer do dia permitisse enxergar o
caminho (INTERLOCUTORA 2).
Marino chegou a Três de Maio, vindo
de Catuípe, utilizando como meio de transporte uma carroça e alguns cavalos,
onde eram transportadas ferramentas como machados, foices, facões, enxadas,
serrotes, as vestimentas, umas poucas roupas de cama e alguns utensílios
domésticos, como panelas, bacias, chaleiras, canecas e o taxo.
Marino e o filho Luiz vieram a
cavalo. Na carroça conduzida por Joaquina, viajaram também os filhos pequenos:
Safério e Júlia. As crianças um pouco mais crescidas, Eulália e Ancelmo, vieram
a pé em parte do trajeto, acompanhando a carroça. Eulália, então com 13 anos,
carregava no colo o irmãozinho menor, Xavier. Posteriormente, em Três de Maio,
o casal Geraldi teve mais três filhos: Glória, Carlota e Bernardo (INTERLOCUTOR
2).
Quanto mais Marino e os familiares se afastaram de Catuípe,
menos moradias e pessoas iam encontrando. No último trecho da viagem – Esquina
Schultz, em Independência – não havia quase nada pelo caminho. Foi ali que
fizeram o seu último pouso antes de chegar em Três de Maio. O local era um
ponto extremo da colonização, que ficava próximo a “beirada do campo[8]” com
uma baixíssima densidade demográfica e só foi possível trafegar com a carroça
até ali. A partir desse local, tiveram que utilizar cargueiros: cavalos
equipados para o transporte de mercadorias e utensílios, geralmente, colocados
dentro de vários sacos ou cestos, unidos por cordas. A carga era distribuída
sobre os dois flancos do lombo do animal, tentando-se com isso, equilibrar o
peso (INTERLOCUTOR 8).
A carroça teria permanecido ali, na
Esquina Schultz, durante meses, possivelmente mais de um ano, até que o seu uso
pudesse ser retomado, quando o alargamento da estrada permitiu sua passagem.
Marino fez à frente, no caminho até a nova morada, montado a cavalo, com o
facão na mão, cortando os galhos que já invadiam a picada; ao mesmo tempo,
carregava uma das crianças na garupa. Ele foi acompanhado de mais quatro
cavalos cargueiros que levavam a mudança e uma parte da família. Possivelmente,
alguns dos pertences dos Geraldi tenham ficado na Esquina Schultz para serem
buscados semanas depois. Joaquina e Eulália fizeram o trajeto, quase que
integralmente, a pé (INTERLOCUTOR 8).
Ao chegar novamente ao ranchinho que Marino havia comprado,
a família foi recebida alegremente por José Bernardo, que avisou que ficaria
ali somente até o dia seguinte. A família do indígena não estava mais na casa,
pois havia se mudado para perto de alguns compadres, na localidade de
Caneleira, hoje pertencente a Tuparendi (INTERLOCUTOR 8).
No dia seguinte, antes de partir, José Bernardo mostrou o
lugar do pocinho de água, a lavoura da mandioca que estava boa para ser
cozinhada na panela e o local onde mantinha algumas arapucas para captura de
aves. Indicou também a direção e a distância onde se poderia encontrar os
vizinhos mais próximos, pois havia em torno de seis ou sete famílias de
camponeses com seus ranchinhos, suas roças e seus animais, em um raio de dez
quilômetros. Além disso, foi hora de estabelecer a amizade entre os novos
moradores e os três cachorros, pertencentes a José Bernardo, que permaneceriam
ali, a pedido da família recém-chegada (INTERLOCUTOR 2).
Para ser apresentado ao vizinho mais
próximo, Marino acompanhou a primeira parte da viagem de José Bernardo em
direção a Caneleira. Durante o trajeto, o indígena recomendou a Marino que
tomasse cuidado com o tigre[9],
principalmente à noite, pois um conhecido seu, um afrodescendente que morava
sozinho a uns oito quilômetros dali, em um determinado dia, fora encontrado
morto, perto da fonte de água, com partes do corpo devoradas. Acharam a porta
do rancho em que ele morava aberta, o feijão queimado na panela, e o fogo
apagado, podendo indicar que ele fora pego de surpresa por algum animal
selvagem de maior porte (INTERLOCUTOR 4).
Os primeiros dias foram o momento
escolhido para conhecer os arredores e visitar outros dois vizinhos relativamente
próximos. A ideia ao fazer as vistas, era trocar informações e comprar
produtos, sementes, animais e alimentos. Segundo os familiares, em torno de
trinta pessoas, todas pertencentes a famílias nacionais, moravam em um raio de
dez a vinte quilômetros de onde a família Geraldi se estabelecera (INTERLOCUTORES
1 e 2).
Gerhardt (2012) comenta em seu
trabalho que a agricultura de subsistência praticada pelos nacionais pobres que
viviam nas regiões de mata do noroeste do Rio Grande do Sul, era herança
indígena, e que eles também caçavam, pescavam, colhiam frutos, extraíam mel e
promoviam a retirada de madeira dos matos para a construção das habitações e
dos currais para os animais, e para a lenha. Ainda segundo o mesmo autor
(2012), esse modo de vida tinha pouco impacto, sendo incapaz de provocar mudanças
permanentes no meio ambiente, isso é, não avançavam além da capacidade de
recuperação da natureza, sendo que até mesmo nas áreas desmatadas de suas
roças, com algum tempo de abandono do plantio, o mato voltava a crescer
rapidamente, pois não se rompia o arcabouço estrutural da floresta.
Já a visão dos colonos imigrantes era bastante
diferente, eles tinham que produzir excedentes, o que só se conseguia
derrubando o mato, plantando e criando vários animais. Poucos dias depois da
chegada, Marino já contratara os serviços de dois caboclos vizinhos para
iniciar, a base do machado, a derrubada de uma área de mato que selecionara.
Depois de alguns meses da abertura da clareira, com o mato derrubado e já seco,
foi feita a coivara – reunião de folhagens e galhos menores em montes, aos
quais se ateava fogo.
Durante a queimada da “roça nova”
houve, devido ao fogo intenso, a produção de muita fumaça, que pode ser vista
de uma longa distância. Com isso, apareceu um morador curioso das imediações,
um vizinho mais distante, “das bandas” do rio “Quarainzinho”. Marino aumentou
sua produção, tanto que sobraram alguns produtos, porém, ele não teve como
escoá-los a contento, pois ainda não podia usar a carroça para transportá-los (INTERLOCUTORES
1 e 2). Dá para se afirmar que a pequena propriedade de Marino era autossuficiente
em matéria de alimentos para a família e os animais.
Na década final do
século XIX e início do século XX, o crescimento das famílias e o consequente
aumento populacional das “Colônias Velhas” teve como consequência a busca por
novas terras despovoadas, na região da Mata Atlântica, às margens do rio
Uruguai, no noroeste do estado do Rio Grande do Sul (RISKE, 2016).
Com localização mais
central e possuindo terras devolutas, a então Colônia Santa Rosa-Buricá, passou
a ser um dos focos de colonização por migrantes, vindos de outras regiões do
estado, a partir de 1915, principalmente, São Leopoldo, Caxias e adjacências
(SCHÖNARDIE, 2008). Foi então que Marino Geraldi e sua família começaram a ter
como vizinhos outros migrantes, pois até então haviam convivido por quase dois
anos, apenas com os camponeses nacionais.
Segundo Riske (2016), em Santa Rosa,
as primeiras casas dos colonizadores eram feitas com coqueiros lascados e
cobertas com suas folhas. Os móveis eram construídos pelos próprios colonos
que, buscando um melhor conforto para a hora de dormir, costuravam colchões
forrados com palha de milho. Ao pôr do sol, ajeitavam alguma forma de clarear a
escuridão, improvisando, muitas vezes de forma artesanal, uma iluminação. Mais
tarde, construíram casas melhores e passaram a usar lamparinas. Os
colonizadores tiveram que abrir estradas com foices, enxadas, pás, arados de
tração animal; além disso, era importante mantê-las conservadas para que o mato
não voltasse a ocupar o espaço.
Schönardie (2008) relata o que ouviu
através de entrevistas realizadas no ano de 2004, quando desenvolveu a
monografia de conclusão do Curso de História e teve a oportunidade de conversar
com alguns dos primeiros colonizadores de Três de Maio, que indicaram como uma
tarefa muito árdua o fato de ter que se embrenhar no mato até chegar aos seus
lotes de terra, derrubar a mata e fazer as primeiras lavouras.
Segundo um dos entrevistados por
Schönardie (2008), as tábuas eram lascadas e colocadas umas sobre as outras
para construir a habitação, feita de forma simples: de um lado o local para
dormir, de outro o milho, e no meio um fogo de chão para fazer os alimentos em
panelas penduradas sobre as chamas. As ferramentas mais usadas nesta fase eram
o machado, a foice e a enxada. O trabalho era manual e, no máximo, empregava
alguma tração animal. Diante de tantas dificuldades, a ajuda coletiva entre os
pioneiros é indicada como um fator importante para vencer as dificuldades.
Os problemas materiais
eram resolvidos pela prática coletiva,
pela organização de mutirões de trabalho, em que a
participação da comunidade era decisiva e
acontecia prontamente, de forma espontânea, sem formalidades, por meio de
relações de confiança. Igrejas, clubes, estradas, casas, galpões, escolas, eram
frutos da prática do trabalho coletivo, do trabalho resultante da cooperação
entre os protagonistas locais. Para tal, além da doação do trabalho, as
ferramentas e os materiais de construção necessários para os empreendimentos
eram doados pelos membros da comunidade. A colaboração entre os vizinhos era
marcante. Quando um tinha algo, repartia com o outro. Essa colaboração, que era
uma constante entre os colonizadores locais, configura a tradição cultural do
grupo. Nas antigas “Colônias Velhas” já era uma prática. Assim, na nova
colonização, além de novamente ter em sua base a necessidade de sobrevivência,
a colaboração entre os protagonistas também refletia preservação da carga
cultural de seus antepassados. De outra parte, pode-se afirmar, que, mesmo
assim, se construiu uma cultura local, mas regida por, e recheada de ações no
coletivo (SCHÖAERDIE, 2008, p. 101).
Schönardie (2008) pesquisou o cooperativismo em Três de Maio, vendo nesta ajuda mútua dos primeiros colonizadores, as raízes do cooperativismo que veio a ser praticado no município décadas mais tarde. Ainda segundo o autor, para a prática da agricultura, o próprio agricultor produzia as sementes para o plantio de seus cultivos e realizava trocas com os vizinhos, sendo que se aplicavam às experiências já vivenciadas nas atividades.
Referências
[1]Descendes do cruzamento de luso-brasileiros pobres, de indígenas e de africanos vindos ao Sul como escravos. Eles também eram chamados de brasileiros, nacionais, morenos, pelos duros ou “pessoas de cor” (GERHARDT, 2012).
[2] Termo usado para se referir às terras que receberam os primeiros imigrantes, já no século XIX.
[3] “São áreas remanescentes de sesmarias não colonizadas e transferidas ao domínio do Estado pelo art. 64 da Constituição Federal de 24/02/1891. Também são definidas como terras públicas sem destinação pelo poder público e que em nenhum momento integraram o patrimônio de um particular” (REGULARIZAÇÃO DE TERRA DEVOLUTA, p. 1, 2022).
[4] Gente era o termo usado pela família Geraldi para se referir às pessoas. A “minha gente”, ou seja, gente da família: significava parentes. O termo, no sentido que a família Geraldi utilizava, não possuia nenhuma conotação pejorativa. Pode-se dizer que era usado para referir-se a pessoas.
[5] A floresta estacional decidual ou caducifólia é um tipo de vegetação própria da Mata Atlântica, presente também no Cerrado e, ocasionalmente, na Caatinga, principalmente em áreas de grandes altitudes e baixas temperaturas (FLORESTA ESTACIONAL DECIDUAL OU CADUCIDÓFILA, 2022).
[6] Sempre que nos referirmos a interlocutores, estaremos diante de informações verbais, obtidas pela metodologia de história oral. O quadro de interlocutores encontra-se ao final do trabalho, como Apêndice A.
[7] Locais em que, mesmo não existindo pontes, era possível atravessar os leitos dos rios, pois a profundidade era pequena e o fundo, razoavelmente, plano, permitindo a passagem de carroças e de cavaleiros, geralmente a “pé enxuto”. A passagem das pessoas sobre os rios, algumas vezes, era feita através de “pinguelas”, construídas de maneira improvisada pela colocação do tronco de uma árvore sobre o vão do rio.
[8] Local de transição entre o campo e o início da mata.
[9] Os relatos dos colonizadores do noroeste do Rio Grande do Sul falam em “tigres” na região, porém, o uso deste termo é equivocado, pois este animal, que é um grande felino, não existe na natureza no continente americano. Julgamos, que ao utilizar o termo “tigre”, se referiam a onça macho, que, em algumas regiões do Brasil, é conhecido por macharrão.
A família Geraldi em
Três de Maio
O imigrante italiano, Marino
Geraldi, como se autodenominava, casado com Joaquina Filipina Wiebbiling, como
já detalhado, chegou ao hoje conhecido município de Três de Maio, no longínquo
ano de 1913. Podemos ter certeza dessa data, frente ao corpo de dados que
coletamos. Como já comentado na introdução deste trabalho, a família toda
sempre foi unânime em afirmar o ano da chegada do pioneiro.
O neto de Marino Geraldi, Orlando
Giraldi Vanin, na então condição de Consultor-Geral do Estado do Rio Grande do
Sul, foi o orador oficial das comemorações do 7 de setembro de 1971 em Três de
Maio. Na página 2 de seu discurso[1], ele
comenta a chegada do avô ao município, dizendo que o registro que estava
fazendo, dando um testemunho fidedigno, poderia ensejar uma nova compreensão
sobre os primeiros povoadores do município.
[…], posso trazer a figura venerável
do meu saudoso avô, que, nascido na Itália, veio para o Brasil, movido por
intenso espírito aventureiro, sozinho, sem a presença confortadora de outros
compatriotas. Mais tarde, com a família – que não era pequena –, e ele homem
com 40 anos de idade, ainda movido por este mesmo profundo sentimento de
ousadia que o animava […], já agora, arriscava perder o convívio de outros
homens mais habituados com a civilização, para cá veio[2],
estabelecendo-se, só, entre os primeiros habitantes desta região. Isto
aconteceu, senhores, no distante ano de 1913, quando varando matos, abriu
picadas para chegar até este ponto, adquirindo aqui as chamadas existências,
compreendidas de pequena roça e uma nada animadora choupana do único morador
das redondezas, […] José Bernardo[3]
(VANIN, 1971, p. 2).
O destino planejado pelo casal ao sair de Tubarão, em Santa
Catarina, onde vendera a propriedade, não era esta região. Ocorreu, porém, que
da venda da terra que tinham no local, eles receberam apenas uma parte do
valor, ficando o comprador no compromisso de logo lhes enviar o restante do
dinheiro para Cruz Alta, através do banco existente na época. Segundo o
combinado, o dinheiro já deveria estar no banco quando eles chegassem a Cruz
Alta, uma vez que passariam algum tempo na localidade de Não-Me-Toque, na casa
de conhecidos, demorando o suficiente para o envio do dinheiro, mas isso não
aconteceu, e o tempo foi passando.
Marino então escreveu uma carta para os parentes em Tubarão,
solicitando que contatassem a pessoa que lhe devia o saldo restante da venda das
terras, porém, naquela época, tudo demorava semanas e até mesmo meses. Marino
já havia até acertado a compra de terras em Pejuçara[4], na região
de Cruz Alta, com a família de Honorato Foletto[5].
Alguns descendentes da família
Foletto, mais tarde, também vieram residir em Três de Maio. Os Foletto
esperaram de dois a três meses para concretizar o negócio com Marino, porém
este, sem recursos financeiros para comprar imediatamente as terras planejadas
e com a informação de que se abriria uma nova área de colonização, decidiu
conhecer outros lugares em que ainda existiam terras devolutas. Por este
motivo, acompanhou “o Meller”, um morador de Catuipe que estava com viagem
marcada para a região de Santa Rosa-Buricá. O resultado da viagem já vimos na
Parte 1 deste trabalho.
A aventura
de morar em um lugar praticamente isolado da civilização
Não surpreende o fato de Marino e de
Joaquina, embora já sendo pessoas entrando na meia-idade, frente à dificuldade
da falta do dinheiro restante da venda das terras em Tubarão, terem optado por
uma região quase inexplorada e remota, como era a de Três de Maio na época,
onde o dinheiro que já tinham em mãos seria suficiente.
Marino era imigrante e Joaquina
descendente de imigrantes, portanto, pessoas com espírito destemido, ousadas,
desprendidas, a quem o desconhecido, a dificuldade, o trabalho e o sacrifício
já não assustavam (INTERLOCUTOR 2). Quer uma decisão mais ousada e corajosa do
que deixar parentes, amigos, abandonar tudo no velho mundo e vir para uma terra
desconhecida como a América?
Segundo Marino comentava, sua
família veio para o Brasil, pois passavam inúmeras dificuldades na Itália. Eram
pobres. De acordo com suas histórias, existia muita miséria e “banditismo” na
província de Verona, onde moravam. Lutavam até mesmo contra a escassez de
alimentos.
O pai de Marino, Santo Geraldi,
ficara órfão e fora criado por um tio, cuja esposa frequentemente recomendava
ao marido que o “fizesse trabalhar bastante, pois havia comido um ovo e três
pedaços de polenta” naquele dia, quando, na verdade, havia passado até mesmo
fome, alimentando-se apenas de alguma fruta que encontrara.
Isto dá uma ideia da vida difícil no
velho continente naquela época. Sem contar que passavam frio no inverno e,
muitas vezes, dormiam junto aos animais na parte de baixo da casa, para se
aquecerem com a respiração e a proximidade com os bois, as vacas e as ovelhas (INTERLOCUTOR
4).
Ao chegar ao Brasil, vindos da Itália, Marino, com o pai e os irmãos, estabeleceram-se em Santa Catarina, tendo, na ocasião, adentrado na mata virgem. A esposa, Joaquina, também já vivera algo semelhante quando criança, junto da família paterna, portanto, a situação não lhe era estranha. Era uma mulher de muita coragem, cujo pai e irmãos realizavam caçadas de animais ferozes, coisa comum naquele tempo, e se a mulher não tinha medo, do homem não se esperava outra coisa, a não ser uma atitude corajosa. Os filhos eram animados a todo o momento a seguir adiante em busca de boas terras e esperança de dias melhores (INTERLOCUTOR 1).
Segundo Marino relatou aos
descendentes, a compra feita do indígena, foi uma aquisição barata, portanto,
do pouco dinheiro que tinha, ainda sobrou para comprar dos raríssimos vizinhos
das redondezas, alimentos, sementes e alguns animais (vacas, porcos, e o meio
de transporte mais útil: cavalos), assim como alguns utensílios domésticos
adquiridos na viagem seguinte a Ijuí.
Ali foi estabelecida a primeira
morada. O mato ao redor ia sendo vencido à custa de muito suor, machado, foice,
serrote e fogo. Suor de Marino e dos dois filhos maiores – na verdade, para os
dias de hoje, duas crianças. Dona Joaquina, profunda conhecedora da vida em
locais ermos do interior, era uma especialista em fazer arapucas para
aprisionar pássaros e alguns animais pequenos, caçar animais silvestres e
encontrar no mato tudo o que pudesse ser comestível, como frutas, plantas e
ervas medicinais.
Inicialmente, esses conhecimentos,
em conjunto com o que aprendeu dos colonos nacionais, foram muito úteis em um
lugar em que existiam poucos recursos. O fato de o indígena já ter aberto
pequenas roças e ter deixado um excelente pilão, possibilitando descascar um
pouco do arroz trazido e preparar canjica de milho, foi uma grande bênção. A
vaca de leite e o pequeno mandiocal de José Bernardo ajudaram muito nos
primeiros meses de subsistência.
Uma alimentação bastante razoável já
estava garantida. A mandioca era consumida cozida, acompanhando outros
alimentos, como carne de porco, frango ou salame. A farinha de mandioca era
fácil de fazer e podia ser comprada, ou trocada por algum outro produto da
terra; ainda, era possível misturá-la ao feijão, consumir junto da carne ou
usar para preparar pirão, misturando-a ao leite fervente (INTERLOCUTOR, 2).
Marino preocupou-se em descobrir o
moinho mais perto para moer o milho e assim possibilitar fazer a polenta. Pelo
que os descendentes contavam, as primeiras moagens ainda foram feitas em um
moinho localizado para os lados de Ijuí, onde o milho debulhado a mão, era
então moído e tornava-se farinha. Para aproveitar a viagem, levava-se junto
para vender algum produto que tinha comercialização na época, como feijão,
ovos, banha ou manteiga. As idas ao moinho, às vezes, eram compartilhadas com
algum vizinho.
No ano de 1915, chegou de forma
pioneira, onde hoje se localiza o Município de Independência, o imigrante
polonês Miguel Torzeski[7] e
sua família, vindos de Ijuí. Ele, inicialmente, fez um acampamento provisório
ao lado de uma árvore de caneleira com uma copa muito frondosa, em local
próximo ao atual CTG da localidade, nas proximidades de uma lagoa existente na
época. Durante alguns meses, Miguel e alguns homens da família cerraram,
manualmente, as toras colocadas em um jirau, para a confecção das tábuas;
lascaram cepos para produzir as tabuinhas para a cobertura e falquejaram a
machado as linhas, os esteios e as escoras para a construção da casa. Após uma
modesta habitação pronta, ele buscou a família em Ijuí, transportando uma
pequena mudança em uma carroça e em mais quatro cavalos cargueiros.
Neste local, Miguel iniciou um
comércio, onde vendia produtos, como salame, sal, açúcar, caramelos, bolachas, cachaça,
fumo, cordas, querosene, calçados e tecidos (fazendas como se dizia na época),
dentre outros artigos, para os moradores do campo, que vinham até o
estabelecimento comercial. A “beirada do campo” se localizava onde hoje é a
Vila Camargo, na cidade alta em Independência. Nesta região, já existia um
número maior de moradores, principalmente camponeses nacionais, dentre eles a
família Pinto, e estes habitantes das redondezas, eram os principais fregueses
de Miguel Torseski, sendo que da picada, então existente para Três de Maio, o
movimento era muito pequeno, pois para aquelas bandas havia o mato e pouca
população. Como em Três de Maio, ainda não havia ainda uma casa comercial, Marino
Geraldi então passou a se valer do comércio com Miguel Torzeski, a partir do
momento em que este se estabeleceu a uma distância aproximada de 8 km de onde a
família Geraldi residia. Pelas histórias de Marino Geraldi e Miguel Torzeski dá
para se perceber que o fluxo de pessoas para região de Três de Maio, até então era,
principalmente, via Independência.
Segundo o relato do neto de Miguel,
Leonardo Torzeski, o avô abastecia o seu comércio com mercadorias vindas de
Ijuí, sendo que as peças de fazenda (rolos com tecidos), eram transportadas
amarradas em cordas de dois metros de comprimento e distribuídas sobre os dois
flancos dos cavalos. No período das revoltas, esta casa comercial teria sido
“saqueada” pelo menos duas vezes.
Em 1917, o agrimensor que mediu as
áreas de terra na região se hospedou na residência de Miguel Torzeski. Ladislau
Torzeski, filho de Miguel, se estabeleceu logo a seguir, também no ramo do
comércio, em Três de Maio, nas imediações de onde hoje se localiza o escritório
do engenheiro Rui Torzeski Leviski, na Avenida Santa Rosa.
Nota-se que os primeiros
colonizadores vieram a Três de Maio por Ijuí. Porém, diversos dos imigrantes
que chegaram mais tarde, vieram por Santa Rosa, que crescia muito. Marino, como
veio através de Ijuí, durante alguns anos, tinha sua primeira referência à
civilização naquela cidade, tanto que, por muito tempo, recebia o correio
ali. Era necessário ir até Ijuí postar as cartas, receber as
correspondências, fazer compras e vender os produtos levados em carroças
(INTERLOCUTOR 2).
As viagens a Ijuí duravam dias. Em
uma dessas ocasiões, Marino recebeu uma carta dizendo que o dinheiro que o
comprador de Santa Catarina ficara de mandar, na verdade, havia se
“extraviado”, portanto, ele deveria ir à agência do Banco Nacional do Comércio,
em Santa Maria, onde poderia receber o recurso restante da venda de suas
terras.
Na época, para poder receber o
dinheiro – uma vez que não possuía documentos com foto e a própria grafia dos
nomes, às vezes, divergia em uma ou mais letras em cada registro –, veio junto
do repasse para a agência, uma descrição detalhada do destinatário da
importância, como altura, peso aproximado, cor dos cabelos, cor dos olhos, uso
e corte do bigode e das costeletas, além de algumas perguntas a serem
respondidas.
Em Santa Maria, Marino conseguiu
receber o dinheiro e agora poderia comprar as terras que havia planejado.
Porém, Santa Rosa e Três de Maio cresciam muito. A partir de 1915, começou o
fluxo de outros imigrantes para a região, o que veio a se intensificar mais a
partir de 1917 e 1918, com a venda, pelo governo do estado, das colônias
demarcadas (INTERLOCUTOR 6).
Um pequeno comércio local já se
desenvolvia e começaram a aparecer pessoas que realizavam a prestação de
serviços especializados, como ferreiro, oleiro, alfaiates e costureiras. Aos
poucos, muitas coisas podiam ser feitas em Santa Rosa, não necessitando mais ir
a Ijuí. O agrimensor Frederico Jorge Logemann havia chegado à região medindo as
terras e demarcando os lotes da colonização (VANIN, 1971).
Segundo Bacin (2020), pela Lei de Terras,
poderiam serem consideradas devolutas, dentre outras
especificidades, as terras que não se achassem ocupadas por posses, que apesar
de não se fundamentarem em título legal fossem legitimadas. O Decreto de 1854
disciplinava que as terras a serem legitimadas eram todas aquelas posses que se
achavam em poder do primeiro ou segundo ocupantes não adquiridas por título
legítimo havendo somente a ocupação. E considerava que estavam sujeito a
revalidação as terras ocupadas por sesmeiros ou concessionários, sendo que
estas deveriam ser medidas e demarcadas (p.2).
Marino Geraldi comprou o lote n. 2
da segunda seção de Santa Rosa, com 21.800 m², conforme título expedido em 9 de
julho de 1918, assinado pelo então presidente do estado, Dr. Antônio Augusto
Borges de Medeiros, e registrado no Registro de Imóveis de Santa Rosa, sob
número 6888; e o lote rural n. 4, que se confrontava ao norte com o lote rural
n. 2, portanto, lotes vizinhos (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1918).
Esse lote confrontava-se com o “Estradão Três de Maio – Campo”, como era
chamada, na época, a estrada da saída de Três de Maio em direção à atual
Independência. Esse lote também foi adquirido do governo do estado, cujo título
foi expedido em 7 de novembro de 1924 e registrado no Registro de Imóveis de
Santo Ângelo, no livro 3-B fl. 225, sob número 3.183.
Segundo depoimento dos familiares,
Marino comprou as duas colônias acima descritas em seu próprio nome e mais duas
colônias vizinhas, as tendo colocado no nome dos filhos que eram maiores de
idade à época: Eulália e Luís, pois a lei, inicialmente, só permitia a
aquisição de uma colônia por colono (INFORMAÇÃO VERBAL)[8].
Em 12 de junho de 1918, o então
presidente do estado, Dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, assinou o Título
de Propriedade do Lote Rural n. 6, com área de 25.000 m², em nome da filha mais
velha, Eulália. A área descrita acima foi registrada no Registro de Imóveis de
Santa Rosa somente em 5 de setembro de 1940, sob número 11465, folhas número 15
do livro n. 3-i, apontado sob número 11403, fls. 101 do livro n. 1-A (REGISTRO
DE IMÓVEIS DE SANTA ROSA).
A filha, Eulália, casou-se na data
de 15 de janeiro de 1921 com Patrício Fin (REGISTRO DAS PESSOAS NATURAIS, 1921).
Atualmente, a área de terra que pertenceu ao pioneiro Marino Geraldi está em
posse de alguns netos, herdeiros de Patrício Fin – falecido na nevasca que
atingiu o estado em 21 de agosto de 1965 –, e Eulália Geraldi Fin, falecida em
1979.
A área de terras que pertenceu a Eulália Fin, nunca foi vendida, tendo mantido o título original de 1918, até o inventário realizado após a morte da mesma. Essas terras, atualmente, localizam-se em frente à agência do INSS, à COAB e ao CTG Tropeiros do Buricá.
Segundo informação verbal[9], ao
adquirir as colônias do governo, Marino sempre preferiu o diálogo, sendo assim,
nunca brigou com ninguém, fazendo um entendimento com mais dois ou três
posseiros que moravam nos fundos das áreas adquiridas.
– Italiano, tu vais perder teu
dinheiro! – teria lhe dito alguém. – Estas terras já tem morador. Veja lá nos
fundos, tem ranchinhos de caboclos! – Marino foi conversar com os posseiros que
teriam aceitado de bom-grado uma oferta em dinheiro e também se transferido,
como o índio José Bernardo, para Caneleira.
Na mesma data do casamento de Eulália com Patrício, 15 de
janeiro de 1921, o casal de pioneiros, Marino Geraldi e Joaquina Viebbilin,
também legalizou a sua situação matrimonial, casando-se no Civil, no Cartório
do Município de Três de Maio (REGISTRO CIVIL, 1921). Na data da celebração, ele
tinha 47 anos e ela estava com 41 anos.
O casamento religioso havia sido realizado em Porto Alegre,
na Capela São Francisco, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, onde
Marino e Joaquina encontraram-se pela primeira vez. Joaquina, nascida em 1879,
no município de Estrela, no Rio Grande do Sul, era filha de imigrantes alemães,
mas havia ficado órfã na pré-adolescência e fora “criada” no então orfanato da
Santa Casa.
Marino, quando veio da Itália,
acompanhado dos pais e dos irmãos, fez uma breve estada em Tubarão, Santa
Catarina, onde deixou os familiares e veio trabalhar em Porto Alegre, na Santa
Casa, local em que conheceu sua futura esposa.
Após o casamento, o casal foi residir em Tubarão, onde ainda
moravam os pais e os irmãos de Marino. Passados alguns anos, o casal, quando a
filha Júlia, nascida em 1905, estava com oito anos, e Eulália, com treze,
resolveu retornar ao Rio Grande do Sul para comprar as terras da colonização,
vendidas pelo governo do estado.
Durante a viagem de Tubarão a Porto Alegre, na época, feita
de navio, enfrentaram uma forte tempestade no mar, sendo que correram o risco
de naufragar, tendo que conviver com a sirene do alarme disparando
seguidamente. No trajeto, um dos filhos – Xavier – adoeceu, mas Joaquina
escondeu a doença da tripulação, pois tinha medo de que o bebê viesse a falecer
e tivesse o corpo jogado ao mar (INTERLOCUTOR 2).
Após a chegada na nova propriedade,
passados uns três anos, Santa Rosa crescia muito, assim como Três de Maio
avançava. Marino havia ampliado o desmatamento das terras iniciado pelo
indígena. Os imigrantes que iam chegando procuravam localizar-se por perto de
áreas já abertas com alguma vizinhança nos arredores, próximas de acessos
fáceis à água.
Marino acabou convencendo o cunhado,
José Benati, casado com Ângela Geraldi, a também vir para a região. José
Benatti estabeleceu-se no local hoje conhecido como Quilômetro 13. O trabalho
de derrubada de árvores foi feito a machado e serrote e custou muito esforço e
suor. A cada ano, a área conquistada e tornada agricultável era pequena. A
queimada era uma das ferramentas mais práticas para limpar um espaço de mata,
ou seja, fazer a coivara[10]
(INTERLOCUTOR 2).
Os colonos, já naquela época, eram
submetidos a uma lei ambiental severa, portanto, em áreas que ainda não haviam
sofrido exploração industrial da madeira, só se podia desmatar metade da gleba,
nas demais áreas já exploradas industrialmente, deveria se manter 1/3 da
propriedade com mata e, para novas derrubadas, exigia-se replantar com árvores
de valor industrial na mesma proporção. As matas só poderiam ser derrubadas
quando o correspondente reflorestamento já estivesse com, no mínimo, dois anos.
Não poderiam ser derrubadas as árvores localizadas a cem metros de rios ou de
nascentes (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1938).
Portanto, pode-se perceber que a
preocupação das autoridades com a preservação ambiental não é de hoje. Os
proprietários também eram obrigados a conservar os marcos divisórios e manter
roçada a estrada ou o caminho na frente do lote que ocupassem, bem como a
prestar seis dias de serviço por ano, por lote rural, para a conservação e o
melhoramento das estradas de rodagem à frente, ou nas circunvizinhanças do
lote. Também era obrigatório condicionar os animais domésticos dentro dos
limites da propriedade, sob pena do estado fazer o cercado e cobrar a obra do proprietário (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1938). Não
se tem informações de que isso tenha ocorrido alguma vez na região.
Para quem chegava, era mais prático se fixar em uma área com
alguma parte já aberta, pois, do contrário, não haveria como plantar verduras
ou legumes, de modo que a primeira colheita de alguma pequena quantidade de
produto demoraria meses. Nesse caso, a subsistência nos primeiros tempos era
extremamente difícil e não poderia acontecer sem ajuda.
O
“tigre” passava por Três de Maio?
Logo nos primeiros meses residindo
no espaço que hoje é Três de Maio, uma madrugada começou agitada. Os cães
latiam e queriam abrigar-se dentro de casa. O pouco gado que a família de
Marino e Joaquina possuía havia se reunido e o touro circulava em volta,
bufando e cavando terra. Agitação na encerra dos porcos. Dona Joaquina, de
espingarda em punho, entrincheirada perto da janela, porta fechada, marido e
filhos recolhidos dentro da choupana:
– É o tigre que está por perto! –
sentenciou ela.
Todo o cuidado era pouco! Ninguém
podia estar fora de casa à noite, era necessário manter o fogo forte e vivo.
Bem que o indígena havia avisado sobre a presença desses animais. A história
contada por José Bernardo, quando na chegada da família, sobre o negro que
morava sozinho a alguns quilômetros dali, no interior da mata, e que um dia
fora encontrado com o pescoço e partes do corpo devoradas, bem que poderia ser
verdade!
Se era fato, não houve confirmação,
mas as crianças não saiam da habitação à noite, nem para urinar: os guris
faziam o pipi pelas frestas da casa mesmo, até porque, elas existiam em quase
todas as paredes. Segundo o relato da filha, Júlia, falecida em 1980, a
situação do “alvoroço da bicharada” repetiu-se mais vezes. Dona Joaquina,
pessoa entendida de animais selvagens, era da opinião de que a moradia da
família ficava perto da rota de deslocamento de um felino que costumava passar
por ali de vez em quando, e então os animais domésticos pressentiam, ficando
agitados e reunidos.
Pelo que consta, fora um ou outro
leitão roubado da encerra de porcos, provavelmente, devorado por algum animal
selvagem pequeno, nunca houve outros problemas na casa do Sr. Marino, a não
ser, o encontro frequente com cobras, aranhas, e raposas que atacavam as
galinhas. Já o cunhado de Marino Geraldi, o Sr. José Benati, casado com a irmã
de Marino, Ângela, que foi morar no Quilômetro 13, a pouco residindo no lugar,
foi atacado em sua propriedade por um “tigre” que lhe feriu gravemente um dos
braços.
O Sr. José Benatti sobreviveu ao
ataque, mas permaneceu com uma grande sequela em função da mutilação da
musculatura no local atingido. José Benatti morava perto de um lajeado que,
depois desse acontecimento, ficou conhecido como Lageado Tigre (INTERLOCUTOR 6).
Tempos de insegurança em Três de
Maio-Buricá
Alguns anos mais tarde, Marino
resolveu ir sozinho cuidar de um “bolicho” no Quilômetro 13, próximo da casa do
cunhado José Benatti. Na época, a segurança das localidades dependia da própria
organização dos colonos. Uma noite, a loja foi invadida e assaltada por dois
homens que arrombaram a porta. Tratava-se de dois “maus elementos” que vieram
para a região. Um deles tinha o apelido de “Troncho”, por ter uma orelha
mutilada. Pareceu a Marino que a intenção dos meliantes era assassiná-lo, mas,
segundo ele, “com a ajuda de Nossa Senhora”, de quem era muito devoto, em um
momento de distração, ele conseguiu escapar pelo meio do milharal que ficava
nos fundos da loja e foi socorrer-se na casa do cunhado Benatti.
Com medo de que o fato se repetisse,
vendeu a loja e voltou a morar na então Vila de Três de Maio. Alguns meses
depois, “Troncho” e seu companheiro, que continuavam a aterrorizar a região,
foram mortos à bala, em uma espera organizada por alguns moradores. Era uma
terra sem lei, por isso, as pessoas se protegiam como podiam, através de grupos
organizados e armados. Os dois malfeitores foram enterrados logo depois de
mortos, sem velório e sem reza, em covas rasas, sem caixões e fora do
cemitério. Como comentavam na época: “foram direto para o inferno”!
Segundo relatos, na manhã seguinte,
“Troncho” estava com os pés fora da cova e as botas haviam sido retiradas, estando
jogadas ao lado. Surgiram então alguns comentários de que o bandido costumava
guardar o dinheiro no cano das botas. Provavelmente alguém que sabia do fato,
foi até a cova à noite, desenterrou apenas os pés e tirou o calçado do defunto, a procura do dinheiro (INTERLOCUTORA 4).
A respeito desses momentos de
insegurança em Três de Maio, Tesche (2021) comenta os tempos da Revolução de
1923, em que entraram em combate os Chimangos, partidários do presidente do
estado, Borges de Medeiros, e os Maragatos, aliados de Assis Brasil. Segundo o
autor, poucas pessoas sabem que nesta época aconteceu também, na então Vila
Buricá, a Liga Colonial.
Referindo matéria de um jornal
cruz-altense, com data de 4 de setembro de 1923, Tesche (2021) dá uma ideia de
como ocorria a organização: o objetivo seria criar um corpo de homens armados,
para a proteção das colônias, dos colonos e de suas famílias. Eles deveriam
obedecer a certas normas de conduta, como não se dedicar à política. Havia a
obrigação de todos os colonos participarem da organização, seguindo à risca as
diretrizes da diretoria eleita.
Nas estradas principais, que davam
acesso à colônia, foram organizados piquetes de vigilância e algumas
trincheiras, sendo que um mensageiro comunicava imediatamente à diretoria da
Liga, o aparecimento de qualquer grupo suspeito. Caso um dos membros do grupo
fosse ferido ou morto em ação, os demais deveriam prestar-lhe toda a ajuda,
incluindo sustentar a família, em caso de morte.
Em Três de Maio, dois líderes
assumiram a defesa: Emílio Tesche e João Schweing (TESCHE, 2021). Adão Vanin e
Luís Geraldi, genro e filho de Marino, respectivamente; e Carlos Trage, também
foram membros ativos que se revezaram na “Trincheira da Estrada do Campo”[11].
Segundo Peres (1994, apud Tesche 2021), nesta época, os colonos já não se
submetiam mais com facilidade à dominação de grupos políticos tradicionais,
sendo que, foram criando nas colônias os seus próprios espaços.
Marino veio ao Brasil trazendo
consigo lembranças de casos de latrocínio ocorridos quando era criança na
Itália, portanto, constantemente se preocupava com a segurança. Andava sempre
armado e tinha o costume de dormir no forro da casa, puxando a escada para
cima. Esse hábito, ele teria trazido de seu país de origem.
As
desgraças em um tempo de dificuldades
A primeira grande tragédia da família de Marino Geraldi
depois que ele veio morar em Três de Maio, aconteceu em 12 de fevereiro de
1922, quando o filho, Xavier, então um menino de dez anos, resolveu fazer
bolinhos fritos. A irmã, Júlia, com 17 anos, estava ocupada cuidando do
sobrinho e afilhado mais velho, Luís Fin, que era um bebê próximo de um ano,
filho de Eulália e de Patrício Fin. Os demais familiares não se encontravam em
casa.
Xavier disse estar com fome e com
vontade de comer bolinhos. Como a irmã não podia fazer, pois estava cuidando do
sobrinho, ele mesmo pôs mãos à obra. Naquele tempo, dona Joaquina guardava no
mesmo armário, fermento e veneno – arsênico –, segundo os relatos.
Xavier teve a infelicidade de
colocar na massa dos bolinhos, o veneno, ao invés do fermento. Ele foi fritando
e comendo, feliz da vida, orgulhoso do que estava fazendo. Ao oferecer os
bolinhos para a irmã, Júlia, ela primeiro deu um pedacinho para o sobrinho,
depois, ao comer o resto do bolo, achou o gosto estranho e ruim. Cuspiu fora e
se apressou a tirar o conteúdo da boquinha de Luís.
– Você colocou vidro moído nestes
bolinhos! – teria dito.
Imediatamente, Júlia foi até o
armário e constatou o engano de Xavier.
– Você colocou veneno nos bolinhos…
Desesperados, Xavier e Júlia
choraram. A moça jogou os bolinhos pela janela, várias galinhas comeram o
alimento e morreram logo depois. Xavier começou a passar mal em seguida, em
menos de uma hora, ele morreria se contorcendo de dor e de falta de ar. Eles
foram socorridos por um moço que passava pela estrada a cavalo e acabou
percebendo o choro e os gemidos. Era Adão Vanin, um rapaz nascido em Marcelino
Ramos que veio para a região efetuar uma cobrança de um “tal de Jango”. Júlia e
o sobrinho sobreviveram, mas passaram muito mal (INTERLOCUTOR, 2).
Na época, não consta que as vítimas
do envenenamento tenham recebido algum atendimento médico. Quatro meses após a
morte de Xavier, Júlia Geraldi, aos 17 anos, se casou com Adão Vanin que, após
receber a conta que fora cobrar em Três de Maio, retornara a Marcelino Ramos
entregar a importância e voltara para se casar.
Adão tinha 20 anos na época do
casamento. Logo após a união, ele foi trabalhar com o comerciante João Adão
Jost, que recém-casado com Juliana Gressler, viera de Ijuí, em 1918,
estabelecer-se em uma casa comercial na então Vila Buricá, tendo dado nome a
Esquina Jost. Adão Vanin trabalhava como celeiro, profissão muito requisitada,
ele também era alfabetizado, situação pouco comum naquela época. Assim, passou
a trabalhar com o Sr. Adão Jost nas anotações de compras de produtos e vendas
de mercadorias aos colonos (INTERLOCUTOR 5). Segundo informações verbais[12], o
comerciante era um incentivador do desenvolvimento das propriedades dos colonos
e teve um pioneirismo na região na distribuição de sementes e na
comercialização da soja.
Outra tragédia com a família de
Marino foi quando o filho, Anselmo, que estava trabalhando na abertura de
estradas em Palmeira das Missões, faleceu atingido, acidentalmente, por um
amigo com um disparo de revólver. Na época, a família foi avisada por um
mensageiro vindo a cavalo. Marino e o filho Luís foram a Palmeira das Missões
usando o mesmo meio de transporte. Assim que receberam o aviso, prepararam a
viagem, porém, chegaram quatro dias após o enterro de Anselmo. Como não
conheciam ninguém e Palmeira das Missões gozava da fama de terra sem lei, após
visitar o túmulo do falecido e rezar o rosário junto à sepultura, pernoitaram
ali mesmo. Imaginaram ser aquele o lugar mais seguro naquelas bandas, já que
deveriam ter medo dos vivos e não dos mortos e, na época, nenhum vivente
passava perto do cemitério à noite. Em favor da alma do filho, Joaquina usou
luto fechado e fez jejum durante sete anos, pois acreditava que ele poderia ter
morrido em pecado, uma vez que, fora surpreendido pela morte inesperada (INTERLOCUTORA,
2).
Outra grande desgraça aconteceu em
1928. Aos 28 anos, Adão Vanin faleceu, deixando a esposa, Júlia, viúva, aos 24
anos, além disso, quatro filhos órfãos, sendo que a filha mais velha do casal,
Alzira, tinha seis anos e meio, e o filho mais moço, Orlando Vanin, vinte dias
de vida. Naquela época, não havia antibióticos, portanto, a mortalidade era
bem-elevada, sendo esse um medo que rondava especialmente às crianças.
A morte muitas vezes atingia as
pessoas por motivos banais. Era uma vida praticamente sem assistência médica,
ou seja, sem a possibilidade dos modernos e eficientes medicamentos que temos
hoje. Adão se criara em Marcelino Ramos e costumava, quando garoto, brincar em
cima da ponte dos trilhos do trem que atravessa o rio Uruguai, entre o Rio Grande
do Sul e Santa Catarina. Um dia, distraiu-se, quando percebeu estava no meio da
ponte e o trem se aproximava, durante a passagem, ele não poderia permanecer
ali, afinal, a largura da mesma só suportava o trem. Então ele correu o máximo
que pôde e se jogou no rio, mergulhando na água e batendo a cabeça, ou melhor,
a parte de trás do ouvido direito – apófise mastoide – em uma pedra. Mesmo
machucado e atordoado, conseguiu nadar e se salvar (INTERLOCUTOR 4).
O ferimento, tratado com remédios
caseiros, custou a sarar e, em vários momentos dos anos seguintes de vida, ele
sentia dores no local. A doença ia e vinha. No último ano, a região do
ferimento piorou muito. Ele montou em um cavalo com a cabeça enfaixada, estava
magro, tinha dor de cabeça, febre e calafrios. Foi até Ijuí para fazer uma
cirurgia, mesmo sozinho e doente, ajudou a cuidar de outros pacientes que
também se encontravam em busca de tratamento. Auxiliou uma mulher que se operou
antes dele, e que depois retribuiu os cuidados. O médico optou por operá-lo.
Colocou em seu nariz uma compressa de éter, que o levou a perder os sentidos
por alguns minutos, rapidamente, fez o melhor que podia. Removeu parte do osso
e curetou o local, limpando com os antissépticos usados na época.
Sem analgésicos ou antibióticos,
Adão sofreu dores lancinantes nos dias que se seguiram. Com o ferimento aberto
e a cabeça enfaixada, retornou para casa, lá, foi definhando até morrer,
deixando os filhos pequenos e a mulher sem amparo. Nessa época, o casal morava
em Tucunduva.
No dia da morte de Adão, dona
Joaquina mandou vir na mesma carroça com o caixão do falecido, a filha, os
netos e parte da mudança para que eles viessem residir em Três de Maio
novamente, tendo construído uma casinha próxima do “estradão”, onde hoje se
localiza o antigo Moinho da Cotrimaio. Júlia usou luto fechado durante sete
anos pela morte do marido, nunca mais se casou e criou os filhos com a ajuda da
família, sempre com grande dificuldade (INTERLOCUTOR 4).
Ainda,
outra tragédia aconteceu com um neto do pioneiro, no dia 1 de janeiro de 1939,
dia de uma festa da igreja da comunidade católica. O Sr. Patrício Fin havia
carneado um boi para o evento, e mandou o filho, Francisco Paulo Fin, pegar a
mula e o cavalo no potreiro para levar a carne na carroça. O jovem de 13
anos levantou sonolento.
Saiu
“esfregando os olhinhos de sono”, como contava chorosa a mãe, Eulália, mesmo
anos depois, pegou as cordas e foi até o potreiro. Como estava demorando muito,
o Sr. Patrício e alguns outros membros da família passaram a procurá-lo, sendo
que, primeiro encontraram a mula com parte da corda arrebentada. Foram
encontrar o “Riquinho”, como era carinhosamente chamado pelos irmãos e primos,
com as roupas rasgadas, mortalmente ferido, atrás de um tronco de árvore,
gemendo debilmente.
A
corda havia se enrolado em uma das mãos do menino que caiu no chão, e a mula
disparou, arrastando-o por um longo trecho, trajeto que ficou marcado de
sangue, até que o corpo finalmente bateu em uma árvore e se desprendeu.
Segundo
o relato do irmão, interlocutor 3, a mula era muito “caborteira” e não se
deixava pegar facilmente. O costume era se aproximar dela com a corda escondida
embaixo do braço, dar-lhe umas espigas de milho e, então, rapidamente, passar a
corda no pescoço. Deve ter sido isso que o jovem fez, porém, a mula se assustou
e disparou, e como parte da corda estava embaixo do braço, acabou enrolando-se
a ele, fazendo com que o jovem fosse arrastado praticamente até a morte.
A
festa da Igreja Matriz foi suspensa e houve grande comoção em Três de Maio,
tendo a encomendação e o
sepultamento sido acompanhado por um número grande de pessoas, uma vez que, o
Sr. Patrício Fin era uma pessoa
muito conhecida naquela época, e o menino morrera trabalhando pela igreja.
Casa de família e local de pouso de
viajantes
A filha de Marino e Joaquina, Júlia, após ficar viúva, ficou
residindo em uma área de terra pertencente aos seus pais, ao lado de onde hoje
se situa o prédio do inativado Moinho da Cotrimaio. Como residia próxima da
estrada principal e pertinho do povoado, era muito comum que as pessoas ali
pedissem pousada. A propriedade era muito humilde, mas possuía um pequeno
galpão, era lá onde os viajantes alojavam-se em cima da única cama, ou mesmo,
no caso de mais pessoas, em cima de espigas de milho ou de fardos de alfafa,
pois sempre se tinha em estoque alguma quantidade de trato para os animais dos
visitantes.
Não era costume se cobrar o pouso, nem a alimentação das
pessoas, entretanto, alguns viajantes colaboravam com o trato dos cavalos. Os
filhos de dona Júlia achavam aquilo um absurdo. Era quase todo dia a mesma
função de estar hospedando alguém, muitas vezes completamente estranho à
família, mas a dona da casa impunha a sua vontade: era um dever de cristã, dar
pousada e alimento aos viajantes.
Os homens e os estranhos pousavam no galpão, as pessoas
conhecidas ou as mulheres com crianças, muitas vezes, eram convidadas a dormir
na casa, mesmo ela sendo bem pequena. Nesses casos, os filhos de Júlia tinham
que ficar desalojadas de suas próprias camas, fato que os deixava muito
chateados (INTERLOCUTOR 6).
O
circo passou por Três de Maio
O lugar crescia e um dia apareceu um
circo em Três de Maio, talvez o primeiro a aparecer no povoado. Não se pode
precisar a data exata em que o fato aconteceu. O filho mais moço do casal
Geraldi, apesar das tragédias da família, era um rapaz alegre, muito
brincalhão, contador de anedotas e causos de caçador e pescador. O rapaz estava
perto dos vinte anos, quando o circo passou na cidade. Ele, para a apreensão
dos pais, foi embora acompanhando o elenco de artistas, junto do qual viajou
por todo o Brasil e, segundo dizem, teria ido até por outros países da América
do Sul.
Aos 28 anos, voltou para casa. Em sua mala, a presença de roupas alegres e coloridas fez a festa para os sobrinhos que, até então, só tinham ouvido falar dele. Manteve-se um grande contador de causos e uma pessoa alegre até o fim da vida (INFORMAÇÃO VERBAL, 4).
Algumas considerações sobre Joaquina Wiebling Geraldi
Na religião, os dois eram católicos fervorosos, frequentavam a igreja semanalmente e rezavam o terço diariamente. Segundo informação verbal, interlocutor 8, o vizinho de terra ao lado, o Sr. Emílio Tesche, que era evangélico, comentava:
– Vão menos à igreja e cuidem mais
das cercas! Porque as vacas, sempre que escapam, vão pastar nas minhas roças.
E dona Joaquina lamentava:
– Parece castigo! Mas essas vacas
fogem justamente no domingo de manhã, na hora da missa. Quando a gente volta
para casa, lá estão elas, na roça do Tesche. Que vergonha!
Segundo as informações coletadas,
interlocutor 4, Joaquina era a médica da família. Era ela quem decidia como
tratar as doenças dos filhos e até ajudava os vizinhos a lidar com as
enfermidades. Cuidava das lombrigas das crianças, dos piolhos, dos episódios
febris, acompanhava de perto as parteiras das filhas, tratava as picadas de
aranhas, reduzia e imobilizava as fraturas de braços e, certa vez, reimplantou
quatro dedinhos da filha Glória, de dois aninhos, que havia colocado
subitamente a mão na frente de um facão com que o irmão mais velho, Bernardo, cortava
uma madeira.
Os dedinhos foram decepados na
altura da falangeta - parte final do dedo. Joaquina recolheu-os, lavou bem com
água, identificou visualmente cada um deles, colocou um por um sobre os
respectivos cotos, envolveu com paninhos limpos, untados com banha, aproximou
bem os cortes e imobilizou cada dedinho com caninhos de taquara amarrados com
cordões, especialmente adaptados para cada dedo. O dedo mindinho foi o último a
ser localizado e demorou a ser recolocado – teria passado mais de duas horas
desde o acidente. O reimplante da pontinha desse dedo não deu certo, mas diante
da gravidade do ocorrido, ficou uma sequela pequena, assim, Glória teve a
estética e a função normal nos dedos indicador, médio e anelar.
Joaquina Filipina Wiebielin Geraldi
faleceu no ano de 1955, na cidade de Caxias do Sul, onde havia ido residir
junto à filha Glória e à neta Clara Fin.
O cotidiano e a vida de dificuldades do
início do século XX no povoado de Três de Maio.
Os dados coletados através de informações
verbais com vários integrantes da família nos permitem comentar informações
gerais sobre os longínquos anos de 1910, 1920 e 1930. Apesar dos desconfortos
das viagens a cavalo, os viajantes, acostumados a tal prática, andavam
tranquilos, sendo que eles até cochilavam montados no cavalo andando a
“passito”. Certa vez, Júlia Geraldi Vanin saiu de madrugada de Tucunduva para
ir à Três de Maio, e o irmão, Luís, foi no sentido inverso, pela mesma rota, na
mesma hora. Os dois viajantes, dormindo sobre os cavalos andando, se cruzaram
no único caminho que havia, e um não percebeu quando passou pelo outro, sendo
este acontecimento motivo de grande surpresa para os dois, que encontraram em
um breve cochilo simultâneo, a explicação para haverem se cruzado na estrada,
sem que tenham notado tal fato (INTERLOCUTOR, 2).
Outra curiosidade se refere à
culinária da época. Uma maneira rápida de resolver o problema da alimentação
para uma visita inesperada, além botar mais água no feijão, era atiçar os
cachorros treinados, em um galináceo no pátio, ou matar a tiros o bicho; assim
podia-se servir uma carne fresca, uma vez que não existia refrigerador. Claro
que, a maioria das vezes, era possível recorrer à carne de porco frita,
conservada no pote de barro com banha, ao salame, ou ao charque defumado, além
de poder se valer de ovos mexidos fritos na banha, acompanhados de queijo e
linguiça (INTERLOCUTORES, 1, 2 e 4).
Naqueles
tempos de “dantes”, era bastante comum ocorrer o que se chamava de morte de
repente. Ela era muito temida, deixando as pessoas inseguras devido ao
pensamento de que se poderia morrer por qualquer bobagem. “Morreu e não tinha
nada! Não estava doente!”, afirmavam, lamentando alguma coisa que o falecido
fizera e que servia para justificar a morte.
Como
não se dosava colesterol, não se media pressão sanguínea, as pessoas enfartavam
ou tinham acidentes vasculares e morriam rapidamente. Aí se buscavam
explicações para as mortes em coisas normais da vida. “Tomou água gelada,
recém-tirada do poço, com o corpo quente, vindo da roça, e caiu morto”,
explicavam.
A
ignorância fazia com que muitas coisas fossem tabus: moça menstruada não tomava
banho, nem lavava a cabeça. Também não se podia misturar certos alimentos, pois
era certeza de problemas: uva com melancia, uva com leite, pêssego com leite,
bergamota verde, pois dava a tal de congestão, que era muito temida;
alimentar-se e tomar banho antes de esperar três horas, era considerado
perigosíssimo; o banho de rio com estômago cheio era evitado a qualquer custo
(INTERLOCUTOR, 2).
O que também ocorria com frequência,
era a morte sem a mínima assistência médica ou farmacêutica. As pessoas com
doenças malignas ou terminais eram chamadas, na época, de “desenganadas” pelo
doutor, isso é: o médico revelara para a família que o doente não tinha cura e
iria morrer brevemente. Então essas pessoas, na maioria das vezes com doenças
malignas, faleciam em casa, sem analgésico para diminuir a dor, desidratadas,
sem sedativos, enfim, sem qualquer suporte que possibilitasse uma morte digna.
Algumas pessoas com câncer de
esôfago, quando o tumor obstruía totalmente a passagem de qualquer alimento,
até mesmo de água, morriam de sede e de fome, antes que a própria doença os
matasse, quando poderiam ter vivido ainda, pelo menos mais algumas semanas ou
meses. Pessoas com tumores abertos, exalando um enorme mau cheiro, eram
cuidadas em casa com compressas das mais diversas, como cenoura ralada.
Assim, quase todos os “moribundos”
só recebiam o carinho e o cuidado dos familiares, mas que, para os padrões de
hoje, não possuíam nenhuma condição material ou técnica para cuidar de seus
doentes. Faziam o que podiam, com toda a paciência e boa vontade. A maioria
dessas pessoas, quando católicas, recebia na época, a tão valorizada
extrema-unção (INTERLOCUTOR, 2).
A morte de repente, além da tristeza
da perda, era vista com preocupação pelos católicos, pois não dava tempo para o
falecido arrepender-se dos pecados e confessar-se, evitando o grande risco de
ir eternamente para o inferno. Já a morte lenta apesar do sofrimento, para os
bons cristãos de Três de Maio, era vista como uma morte “santa”, pois permitia
ao moribundo fazer as pazes com Deus e, talvez, após um período de purgatório,
garantir a eternidade no céu (INTERLOCUTOR, 2).
Os mortos eram enterrados em covas
com sete palmos de fundura, as primeiras porções de terra jogadas sobre o
caixão produziam um barulho muito próprio que, geralmente, era acompanhado do
choro intenso dos parentes e dos amigos. No sétimo dia de falecimento, os
católicos costumavam chamar a família e os mais próximos para ir ao cemitério
rezar o terço (INTERLOCUTOR, 2).
Outro detalhe comum naquelas décadas
iniciais dos anos 1900, era que muitas famílias não possuíam relógios, quem
tinha este privilégio, via os aparelhos adiantarem ou atrasarem alguns minutos
por dia, o que, no fim de algumas semanas, ocasionava em uma diferença de meia
hora, ou mais; sendo que muitas vezes, não havia como ouvir o rádio ou qualquer
outro recurso para acertar o horário.
A sorte é que a vida do interior não
precisava muito de relógios, afinal, o que comandava tudo era o nascer e o pôr
do sol, esses acontecimentos marcavam o início e o fim das atividades de
trabalho fora de casa. Um relógio biológico que ajudava muito era o tal de
estômago, pois a fome vinha quase sempre à mesma hora.
Carlos Trage, meu avô, até a década
de 1930, possuía um calendário com o nascer e o pôr do sol no sul do Brasil,
nos diversos meses do ano. Era a partir dessas informações e da observação do
céu que ele fazia a previsão da hora e acertava os relógios. Alguns
especialistas dizem que se bem observado, em dias de tempo bom, esse calendário
permite acertar o relógio com uma margem de erro não muito superior a dez
minutos.
Naqueles tempos, a infância era
diferente, as crianças tinham pouquíssimos brinquedos. Brincar era, quase
sempre, um exercício de criatividade, pois geralmente era necessário construir
boizinhos, vaquinhas, bonecos, bonecas, carrocinhas, carrinhos, e usar a
imaginação para dar vida àqueles personagens e movimentar aqueles objetos. Mas
de forma nenhuma se pode pensar que foram crianças infelizes. Era o que se
tinha na época e se pode imaginar que tiveram muitas outras compensações, como
uma vida calma junto à natureza, comendo frutos direto das árvores, nadando e
pescando nos rios.
Se comparado à realidade atual, foi
um tempo muito diferente, as crianças, ao invés de brincar e ir à escola,
ajudavam os pais no que a idade permitia. Meninas, com nove ou dez anos,
tomavam conta do serviço da casa, lavando roupa, cozinhando e ajudando a cuidar
dos irmãozinhos, sendo que ainda sobrava tempo para ajudar os pais nas
lavouras. Meninos com 11 ou 12 anos já eram submetidos às atividades dos
adultos no cuidado com os animais e aos cultivos nas lavouras de milho, de
arroz, de feijão, de batatas e de amendoim.
Infelizmente, para os filhos e as
filhas de Marino e Joaquina que vieram de Santa Catarina em idade de ir à
escola, essa só passou a existir quando já eram moços e moças, de forma que
acabaram se criando quase analfabetos, em sua maioria. Só foram regularmente à
escola as crianças que nasceram em Três de Maio. Para esses, a escola chegou a
tempo!
Para os padrões de hoje,
aparentemente, a juventude teve pouco com que se ocupar nos fins de semana.
Mesmo porque, o trabalho nas propriedades rurais só respeitava o domingo.
Portanto, sábado de manhã era dia normal de trabalho, sendo que, apenas no
final da tarde se providenciava a busca e o armazenamento dos alimentos a serem
dados às vacas, aos cavalos, aos porcos e demais animais no domingo. As festas
de igreja eram um grande acontecimento, aguardadas com muita expectativa,
afinal, era uma oportunidade de encontro da comunidade fora do horário de
missas e cultos. Nessa época, a praça à frente da igreja católica foi um dos
principais locais de encontro dos jovens de Três de Maio.
A
morte de Marino e o destino de seus filhos
Segundo
o interlocutor verbal (6), Marino era um homem vaidoso e, uma vez por ano, ia a
Porto Alegre comprar roupas, calçados e chapéus. Tinha vocação para o comércio,
assim, foi proprietário de um hotel que existiu nas proximidades de onde, hoje,
é o Posto Latina, de propriedade de Vitor Schons, na esquina da venida Uruguai
com a Rua Ijuí. Também foi dono de uma casa ainda existente, na esquina da Rua
Avaí com Padre Cacique.
Em seus últimos anos de vida, Marino
foi colocar “bolicho” na localidade ainda hoje conhecida como Pinga Fogo. Foi
ali que em uma determinada manhã, não se sentiu muito bem e foi buscar
“recurso” no Hospital São Vicente, tendo
ficado sob os cuidados do Dr. Brutus Portinho Nessi. Na tarde seguinte, dia 19
de novembro de 1938, às 15 horas, teve, provavelmente, um enfarto do miocárdio
e faleceu. O velório foi grande e contou com uma foto do falecido dentro
do ataúde. O falecido tinha, na época, 65 anos (INFORMAÇÃO VERBAL, 4).
Os filhos, Luís e Zafério, foram morar em Passo Fundo; Bernardo abriu um atacado na rua Voluntários da Pátria, em Porto Alegre, após alguns anos residindo em Cruzeiro – Santa Rosa; Glória cursou magistério em Cruz Alta, depois, pedagogia, e foi ser professora em Caxias do Sul, faleceu com 42 anos; Carlota, após o casamento com Vasconcelos Soares dos Santos, foi residir em Tenente Portela (INFORMAÇÃO VERBAL, 4). Apenas duas filhas permaneceram residindo em Três de Maio: a mais velha, Eulália, casada com Patrício Fin, que teve 14 filhos, sendo que apenas quatro permaneceram em Três de Maio, os demais foram estudar e acabaram residindo em Porto Alegre, onde constituíram famílias.
A outra filha que permaneceu em Três de Maio foi Júlia. Ela casou-se com Adão Vanin aos 17 anos, porém, ficou viúva aos 24. Teve quatro filhos durante o curto casamento. Os três filhos homens de Júlia foram residir em Porto Alegre. A única que permaneceu em Três de Maio foi a filha mais velha, Alzira, que se casou com Edvaldo Germano Fernando Trage.
[1] Texto não publicado, encontrado no acervo pessoal de
Orlando Geraldi Vanin (ANEXO 5).
[2] Esta expressão: “para cá veio”, refere-se a vinda a Três de
Maio, pois o discurso foi proferido naquela cidade.
[3] Segundo a mesma fonte, José Bernardo era um indígena que,
com sua família, passara a residir fora do seu aldeamento e mantinha um contato
amistoso com pessoas de outras etnias, tendo assimilado alguns hábitos de
outras culturas.
[4] Algumas referências a lugares são divergentes
em alguns relatos, pois, muitas vezes, eram feitas citações ao município mãe de
determinadas localidades que hoje são cidades autônomas.
[5] Avô de Honorato Foletto, conhecido advogado, locutor e
comentarista aposentado da Rádio Colonial de Três de Maio.
[6] A filha, Ângela, casou-se com José Benatti. Por influência
do irmão, Marino Geraldi, ela também migrou com sua família para Três de Maio
nos primeiros anos da colonização, tendo ido residir na localidade de
Quilômetro 13.
[7] Informações verbais de Leonardo Torzeski, neto de Miguel Torzeski,
ex-prefeito de Independência, na data de 16 de janeiro de 2023, durante
entrevista ao pesquisador.
[8] Informação verbal Júlia Geraldi Vanin.
[9] Informação verbal, interlocutor 8.
[10] Possivelmente, palavra indígena
para denominar a queimada dos galhos da mata derrubada para fazer uma roça
nova.
[11] Informação verbal de Edvaldo Trage.
[12] Edvaldo Germano Fernando Trage.
TRAGE,
Orlando Vanin. Três de Maio nos tempos de dantes. Passo Fundo, Acervus,
2022.
Muito boa sua pesquisa , sou tataraneta de Marino. Obrigada por essas informações!
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