A origem do nome de
Três de Maio
Alguns relatos mais antigos sobre a
origem do nome de Três de Maio fazem referência a uma possível ligação entre o
atual nome do município e o aniversário de dona Neli Dane Logemann, esposa do
engenheiro Frederico Jorge Logemann, que demarcou os lotes da colonização na
região. Segundo a mesma versão, haveria também relação com as comemorações
realizadas no Clube Buricá, uma tradicional organização social da cidade.
Porém, a data do aniversário da
aludida senhora, segundo os dados que coletamos, não é 3 de maio, já que ela
nasceu no mês de dezembro do ano de 1885. Portanto, tal ligação deve ser, de
antemão, descartada, até porque, por mais respeitável que fosse tal figura
feminina na época, não parece razoável que se fizesse uma homenagem de tal
magnitude a uma pessoa de fora da política.
Já em relação às comemorações no
Clube Buricá para festejar os dez anos da entidade social, segundo a história
do Clube, teriam tido o seu ponto máximo na data de 3 de maio de 1930, e a
partir de então, virado tradição. Ocorre que pesquisamos ocorrências em jornais
do Rio Grande do Sul da década de 1920 e encontramos consolidado o nome de Três
de Maio, em período bem anterior a 1930.
O historiador três-maiense, Leomar
Tesche, nos forneceu cópia de um documento que encontrou, em pesquisa que
realizou no Museu Histórico de Santo Ângelo. Trata-se da Ata n. 17, de 30 de
outubro de 1920, em que o então intendente daquele município, coronel Bráulio
Oliveira, dividia a área do Sétimo Distrito em nove seções, fazendo uma
referência bem clara ao “Povoado de Três de Maio”, no que tange a um dos limites
da V Seção.
Portanto, não resta dúvida que o
povoado que deu origem ao atual município de Três de Maio, já era nomeado como
Três de Maio no ano de 1920 em documentos oficiais. Isso nos leva à conclusão
clara e definitiva de que a narrativa de que o nome da cidade guarda ligação
com o aniversário da Sra. Neli Dane Logmann e com os festejos dos dez anos de
fundação do Clube Buricá não possui nenhuma base histórica. O que, talvez,
possa ter ocorrido é que a data dos festejos tenha sido justamente escolhida em
consequência do nome Três de Maio já estar plenamente consolidado para
denominar o povoado na época.
Realizamos uma pesquisa, através da
internet, e coletamos a data de “3 de maio” como nome de ruas pelo Brasil afora,
a maioria delas já criados, antes do surgimento do povoado de Três de Maio. Portanto,
nenhum desses nomes se deve à uma possível homenagem ao atual município do Rio
Grande do Sul. Encontramos 17 cidades, em oito estados, que colocaram nomes de
ruas para homenagear o “três de maio”, que, por algum motivo, deve ter sido uma
data importante para aquelas localidades.
Então, cogitamos de que poderia ter
havido, no caso do nome do atual município de Três de Maio, uma motivação de
natureza política, religiosa, ou as duas coisas juntas.
Tabela 1 – Cidades e estados que possuem ruas com o
nome Três de Maio
Cidades |
Estado |
Porto Alegre |
Rio Grande do Sul |
Passo Fundo |
Rio Grande do Sul |
Pelotas |
Rio Grande do Sul |
Santa Maria |
Rio Grande do Sul |
Torres |
Rio Grande do Sul |
Sapucaia |
Rio Grande do Sul |
São Paulo |
São Paulo |
Catanduva |
São Paulo |
São Bernardo do Campo |
São Paulo |
Ourinhos |
São Paulo |
Belém do Pará |
Pará |
Salvador |
Bahia |
Itaberaba |
Bahia |
Belo Horizonte |
Minas Gerais |
Recife |
Pernambuco |
Joinville |
Santa Catarina |
Canoinhas |
Santa Catarina |
Vila Velha |
Espírito Santo |
Fonte: Dados da Pesquisa[1].
Coincidência ou não, o estado do
Brasil que mais tem cidades com ruas com o nome Três de Maio, é o estado do Rio
Grande do Sul. Isso, talvez, nos indique que a data possuía algum significado
especial para a população gaúcha. Na época, o Rio Grande do Sul ainda vivia sob
os governos positivistas, que marcaram muito a política sul-rio-grandense.
Realizamos, também, uma revisão de
referências que pudessem nos indicar o significado de tal data para a Nação
Brasileira . Constatamos que a data de 3 de maio foi considerada como o dia do
descobrimento do Brasil, pelo menos até o ano de 1817, quando aconteceu uma
revisão histórica, por ocasião da divulgação da Carta de Caminha, que estava
desaparecida e foi encontrada junto aos arquivos que a família real portuguesa
trouxera ao Brasil, quando da vinda para a então colônia em 1808.
O documento mostrou claramente a
data de 22 de abril de 1500, como o dia do descobrimento. Então, por mais de
trezentos anos, a data foi considerada o dia da chegada de Cabral ao nosso país
(DIA DO DESCOBRIMENTO […]). Segundo Leal (2006), p. 65: “Planejar uma festa
cívica e definir que imagens seriam mostradas ou não, e possuir uma coleção de
imagens para isso, fazia parte do jogo e disputa políticos e de poder que
atravessavam a sociedade”. Então, após a proclamação da República no Brasil, os
articuladores da nova política e da nova imagem, querendo construir uma agenda
de feriados que fossem representativos da nova fase do país, incluíram a data
de 3 de maio em seu calendário de festas cívicas, como comemoração ao
descobrimento do Brasil.
Talvez por esse fato e sem uma
aparente justificativa, a data não perdera o prestígio com a revisão histórica
de 1815, sendo adotada como feriado nacional após a Proclamação da República. O
feriado do dia três de maio estava vigente e ainda muito presente, lutando para
continuar existindo como uma data importante na memória dos brasileiros,
quando, possivelmente, foi realizada a escolha da denominação do 2º Distrito de
Santa Rosa.
Durante toda a vigência do império
no Brasil, a data de 3 de maio foi importantíssima, pois era a data da fala do
trono, dia do início do ano legislativo, em que o imperador se dirigia ao
parlamento e discursava, comunicando o que esperava que fosse feito pelo
governo do primeiro-ministro do país. Esses pronunciamentos começaram com a
instalação da 1ª Assembleia Nacional Constituinte do Brasil, em 1823, em que
houve a fala de D. Pedro I, seguida dos discursos de D. Pedro II e da princesa
Isabel, até a queda do império, em 1889 (FALAS DO TRONO, 2019).
Os positivistas, enquanto tiveram
poder, foram mantendo a data de 3 de maio no calendário dos feriados nacionais,
sendo que o cancelamento de tal evento só ocorreu após 1930, quando o nome do
povoado de Três de Maio já estava plenamente consolidado, durante o governo de
Getúlio Vargas.
É muito provável que a data de 3 de
maio tenha sido escolhida para ser a data da eleição dos constituintes de 1931,
por já ter a força de um valor simbólico no imaginário do povo brasileiro.
Nessa data, foram eleitos, diretamente, 214 deputados constituintes, que junto
de mais de 40 deputados classistas, fariam a nova constituição. Naquele ano, a
data esteve presente, martelando semanalmente, em todos os jornais do país,
devido à importância que adquiria a realização da Assembleia Constituinte
(ELEIÇÕES DE 1933, 2021).
Entre outros valores simbólicos que
poderiam ter conferido a data de 3 de maio, a força para nominar uma
localidade, além dos motivos políticos já vistos anteriormente, poderiam estar
também motivos religiosos, já que a comunidade foi fortemente influenciada por
valores do catolicismo, através dos padres nas comunidades. Nesse sentido,
encontramos o registro de que, nessa data, foi celebrada, no ano de 1626, em
São Nicolau, a primeira missa em solo sul-rio-grandense, pelos padres jesuítas
(CAVALHEIRO, 2021). Outro motivo cercado de grande simbolismo para a Igreja
Católica é que no dia 3 de maio, se comemora o dia da Santa Cruz (3 DE MAIO).
Como já comentado anteriormente, a
denominação do povoado, surgido no noroeste do Rio Grande do Sul, com nome de
Três de Maio, em substituição ao antigo Santa Rosa-Buricá, já estava se
consolidando a partir de 1920. Portanto, se houve motivos políticos ou
religiosos, esses foram definindo o nome já em uma data anterior àquela década.
O fato, como vimos, do nome de Três de Maio ser significativo tanto para a
religião como para a política, pode ter somado pontos para a sua aceitação
junto à população.
Teriam os positivistas da localidade
com poder de influência, seguido em Três de Maio, o exemplo do 14 de Julho, em
Santa Rosa, simbolicamente uma data importante para o positivismo gaúcho? Vemos
essa como uma possibilidade, pois através dessa escolha, as lideranças locais
estariam dando uma grande visibilidade para o povoado que estava surgindo, uma
vez que, certamente com o nome de uma data simpática aos detentores do poder, o
mesmo seria visto com muito agrado.
Ou teriam os religiosos influenciado
na escolha do nome da cidade? Quando um pesquisador coleta seus dados, lhe cabe
sistematizá-los e interpretá-los, tendo como parâmetro a sociedade da época.
Parece razoável aduzirmos que a questão política, na época do positivismo, era
muito forte e preponderava nas ações de quem tinha poder de mando. Segundo os
positivistas ortodoxos:
A vida pública e coletiva, que
estimulasse a lembrança do passado da Pátria e as diferentes formas de
celebrá-lo, integrava também o culto da Humanidade. Essa proposta de vida
social e cultural visava criar uma unidade simbólica entre os cidadãos. Era o
conhecimento do passado, da história, que uniria os homens (LEAL, 2006, p. 66).
Portanto, quer parecer-nos que a
data de 3 de maio veio dar nome ao município por possuir um poder simbólico
junto aos agentes locais que representavam o poder político na época, uma vez
que, vinha ao encontro dos pensamentos positivistas. A data do 3 de maio era,
claramente, cara aos positivistas, basta ver o prestígio de merecer ser
considerado feriado nacional, mesmo sem motivos justificáveis, sustentado
apenas por ideias e fundamentos filosóficos.
É
evidente também que o nome Três de Maio pode ter tido uma origem diferente das
aventadas anteriormente, tendo partido apenas das pessoas, ou de alguma
entidade do próprio lugar, devido a alguma peculiaridade local em relação à
data. Segundo o Documento Referente a Origem do Lugar Três de Maio (1931)[2], que
pode ser encontrado no Museu Histórico Regional do município, na data de 3 de
maio de 1919, o Sr. Frederico Jorge Logemann teria construído a primeira casa,
na área onde, hoje, se localiza a cidade.
Pelo que se sabe historicamente, a
casa do Sr. Frederico Jorge Logmann era, na época, uma construção de tamanho
mais expressivo que uma simples cabana, e uma ponderação que se pode fazer em
relação ao documento, é que não podemos falar na construção de tal casa no
período de um dia – 3 de maio. Teria sido o dia do início ou do final da
construção? E mesmo não importando, se o dia tenha sido do início ou do término
da construção da casa, este fato teria força suficiente para nominar o lugar?
Sinceramente, acreditamos que não, mas há quem acredite estar aí, o motivo do
nome de Três de Maio: a data da construção da primeira casa do povoado Santa
Rosa-Buricá.
Também pode ter ocorrido de o
processo de transformação do nome ter sido uma junção de fatores, afinal de
contas, a data de 3 de maio, com visto anteriormente, era um feriado nacional
com muito prestígio até a década de 1930 e, possivelmente, um feriado bem
popular, podendo ter ocorrido, de que não tenha havido interferências externas
da política ou da religião, nem mesmo a presença de um evento local para tal
escolha.
O fato é que o nome foi sendo modificado ao longo da criação da colonização como Santa-Rosa-Burica, para Três de Maio-Buricá, até que, finalmente, se consolidou como Três de Maio. Talvez nunca venhamos a saber, realmente com segurança, a causa da escolha da data para nominar a localidade, mas uma coisa é certa, o nome escolhido contou com aceitação popular e, se não teve a interferência e o apoio dos políticos e dos religiosos, certamente, também não teve oposição. Porém, do que conheço da filosofia positivista que desejava ansiosamente construir a Nação brasileira, e para isto lançava mão da criação de representações sociais, utilizando-se de valores simbólicos, nomes de heróis e datas históricas, para que ficassem reverberando nas mentes dos cidadãos e assim ajudassem na união do povo em torno de suas causas maiores, na minha opinião, o nome da localidade Três de Maio, teve interferência política dos poderosos do momento que comandaram o Estado do Rio Grande do Sul, nas décadas iniciais do século XX, época em que surgiu o povoado. O objetivo foi firmar na memória do povo, uma data sagrada para eles pelos vários motivos já expostos anteriormente.
[1] Busca na internet pela palavra-chave
“Rua Três de Maio”.
[2] O original deste documento é manuscrito e redigido em língua
alemã. Foi encontrado em uma cápsula metálica no alicerce do antigo prédio do
Clube Buricá de Três de Maio, tendo sido traduzido pelo Prof. Henrich Otto
Sattler, no ano de 1978.
TRAGE, Orlando Vanin. Três de Maio nos tempos de dantes, Passo Fundo, Acervus, 2023.